29/09/2008

De comboio pela europa ( Capítulo 7)

Cracóvia recebeu-nos bem. Esta pequena e bonita cidade polaca deu-nos duas divertidas noitadas, o melhor hostel em que dormimos nesta viagem, comida típica muito boa a preços normais, e um encontro com o grande Ricardo Garcia, um companheiro de festa fabuloso.
Mas foi a alguns quilómetros de Cracóvia que vivi o momento mais marcante desta estadia polaca, numa zona conhecida mundialmente por Aushwitz. Inicialmente senti-me inclinado a declinar o convite do Ricardo mas, depois de matutar sobre o assunto, achei que esta seria provavelmente uma oportunidade demasiado rara para a poder desperdiçar.
Então lá fui, com quatro horas de sono em cima e uma ressaca dilacerante. Foi tudo um bocado estranho, naturalmente. Qualquer coisa que eu fizesse por lá seria sempre conotada como marada por mim mesmo. Exemplificando: uma gaja meteu-se comigo em Aushwitz; perdi-me com o Ricardo em Aushwitz; troquei olhares com uma rapariga em Aushwitz; comi um cachorro quente em Aushwitz. Acho que estas situações explicam bem o feeling..
O que surpreendeu, acima de tudo, foi pisar o terreno onde centenas de milhares de pessoas foram torturadas e assassinadas como animais e, ao mesmo tempo, os extensos e verdejantes relvados banhados pelo sol e as elegantes àrvores que compunham o cenário terem formado uma imagem lindíssima aos meus olhos. Naquele sítio deslumbrante, coberto por uma natureza bela e rica, aconteceu a maior tragédia dos últimos cem anos, um genocídio que ficará cravado em todo o mundo para todo o sempre.
Nem tudo foi sombrio na nossa passagem por Cracóvia. As noites valeram a pena, com discotecas engraçadas, espaços cativantes, boa música d diversos estilos e mulheres bastante...apelativas.
Passadas as duas noites eu e o Garcia saltámos das nossas camas com a certeza de que nos íamos separar dali a um par de horas. Abandonámos o Mamma’s hostel às dez e meia da manhã com os malões às costas e caminhámos juntos até à estação. Os nossos comboios partiam com quinze minutos de diferença, sendo que o dele, para Berlim era o primeiro. Devido a vários contratempos acabámos por ter que nos despachar nervosamente e a despedida foi mais apressada do que aquilo que desejávamos. Só deu tempo para um abraço, uns gritos de “Alegria!”, e uma citação de Jack Kerouac ( On the road, o livro que estou a ler) que lancei em jeito de motivação suplementar: O caminho é a vida amigo.
E lá se deu a triste separação. Agora sou só eu e o mundo.
A minha partida deu-se ao meio dia e dez. Já são seis da tarde e estou a deixar a Eslováquia para trás em direcção a Budapeste, onde ficarei uma hora e pouco à espera do comboio para Belgrado. Ao todo são 20 horas de viagem. Sabe tão bem! Não sei como vai ser em Lisboa, quando já não dormir em cabines e carruagens decrépitas e balançantes. Mas vai ser difícil. Estes bancos e corredores já me são tão familiares...
Entretanto já se passou uma coisa engraçada. Estou na cabine com um americano, com a rapariga de Aushwitz e a amiga dela! Esta viagem tem-me dado cada reencontro, nem sei bem o que se passa.

5/8/2008 18 e tal, entre a Eslováquia e a Hungria.


( Este é o último capítulo que tenho escrito. O resto da viagem ainda não caiu para o papel. Talvez um dia consiga contar tudo o que vivi e senti em Guca.)

28/09/2008

Hoje feito um passarinho
quando sai do ninho
acordei cantando

E aquela alegria do primeiro vão
e aquela inocência
do primeiro amor

Hoje com o mesmo espanto
da primeira dor
acordei chorando

Quanto tempo faz
tanto tempo amor
e aquela saudade
do primeiro beijo

e aquele desejo
e aquele desejo

hoje com o mesmo sorriso eu sei
se no mais precisa
acordei hoje mais preto do que sonhei
caminho desperta, acordei


Acordei

Maraes Moreira

17/09/2008

Cresce palpitante a inquietacao da existencia.Manifestam-se ja conhecidas questoes e murmuram-se cancoes antigas.O ouvido apanhou-as tao bem e sabe-as de cor como se tivesse sido ontem.É um eco infinito que parece nao ter pressa em terminar.Aquele que ameaca que morre...
As palavras teem-me faltado para a abstracao.Um amigo disse-me que talvez na escrita encontre a cura , e no fundo o processo que quero encontrar.
Mas e se me falham agora?Nao me afasto de mim propria?
Avanco para a irracionalidade, os pensamentos outrora logicos foram substituidos por historias tiradas do conhecimento ganhado na infancia e ate na pos consciencializacao.Ha coisas que estao tao enraizadas que nem o senso comum as apaga.
Fomos poluidos desde cedo por nocoes sociais e ate de caracter pessoal muito pouco variadas.Tentaram programar-nos...Houve alguem que disse que a televisao iria apagar a individualidade.
Pessoal nao deixa de ser a problematica que escolhemos focar.Mas a memoria, ja fraca, falha-me cada vez mais.A historia esta a ser obliterada e lamento te-la contado tantas e tantas vezes que aos poucos se desfigurou por completo.Perdeu-se dentro de si mesma.
E agora?

15/09/2008

Um "Nós" difícil de carregar.

É impressionante como concordo com o livro de Jack D. Forbes. De facto, sinto mesmo que o afastamento da Natureza e a ideia do pecado original, visto como questão basilar do Cristianismo, são duas razões essenciais da perdição da cultura ocidental...

Ao afastar-se da Natureza o homem afasta-se da sua própria natureza, isto é, de si próprio. É como se, aos nossos olhos, renegássemos, logo no momento do nascimento, os nossos pais e os nossos mestres, reflexos de nós mesmos e de todo o mundo. Vai-se fragilizando, assim, então, o homem, devido ao distanciamento de si próprio, e a sua visão que se vai tornado cada vez mais turva. Perde, então, progressivamente fé em si mesmo. Fragmenta-se depois, pois começa a não acreditar na sua totalidade nem na integração desta no mundo em que vive. Ao fragmentar-se, fragmenta-se também a sua perspectiva da realidade. Nasce assim o projecto iluminista e os seus múltiplos conceitos, fragmentados e fracturantes: Homem social e Homem Total, Bem e Mal, e outros. Muitos... Está criado o terreno para a institucionalização e comercialização, para a transformação em produto de tudo e mais alguma coisa (das sociedades, como as entendemos, hoje). Incluindo de Deus e de nós próprios. Pois estas são já partes de um todo desconhecido, proibido, transcendente. Também os próprios valores passam a existir separadamente de nós próprios. A liberdade, a igualdade, a espiritualidade e a fraternidade são símbolos que compramos por pertencer a um grupo social ou país. Não interessa se, de facto, somos livres, iguais, fraternos ou espirituais. O simples facto de pertencermos a um país que tem esses valores ou estarmos associados a um grupo social que os usa como bandeiras já nos consola e satisfaz. Aliás fragmentados, carentes e desorientados como estamos já não acreditamos chegar lá pelo nosso próprio pé, a partir do nosso próprio caminho. Que o que desejamos tenha a expressão e a qualidade de transcendente(e não de imanente), pois é essa também já a qualidade do nosso próprio desejo.

Um "Nós" difícil de carregar.
Nasce a necessidade de criar
para talvez,
um dia,
Ser.

Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Religião, Saber, Amor e Prosperidade não são nada sem mim.

"Os oprimidos, que introjectam a "sombra" dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em que esta, implicando a expulsão desta sombra, exigiria deles que "preenchessem" o "vazio" deixado pela expulsão com outro "conteúdo" (o de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que não seriam livres. A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no acto responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive eles se alienam. Não é ideia que se faça mito. É condição indispensável ao movimento de busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos."

Paulo Freire
"Pedagogia do oprimido"

De comboio pela europa ( Capítulo 6)

Chegados a Praga ao final da tarde, artilhados com os malões que já fazem parte do nosso andar, lançámo-nos à descoberta do Hostel que o Rodolfo nos arranjou.
Apanhar o metro, trocar de linha, uma ou duas estações, 500 metros a pé, e lá entrámos. Foi a chegada mais facilitada até ao momento.
Instalámo-nos no quarto 316 do gigante albergue de estudantes e passageiros, descobrimos o número do quarto deles (já sabíamos que o Botelho também lá estava) e demos 3 pancadas na porta. Abraços e risadas, olhos abertos e incrédulos – um reencontro bacano.
Pouco depois já saíamos pela porta do Hostel os quatro. Sentámo-nos numa esplanada de madeira escura meio campestre com umas canecas Pislner fresquinhas à nossa frente. Aí principiámos a sessão de “Information Exchange”. Hum, agora que me lembro melhor, nós nessa noite não ficámos na esplanada mas na parte de dentro do restaurante. Não interessa, vai dar ao mesmo. Sentámo-nos, e o Botelho tomou as rédeas da conversa. Relatou com grande habilidade a história do seu caminho e prendeu-nos pela naturalidade e vivacidade com que nos contou as suas aventuras por Varsóvia, Paris e por uma terrinha ocupada por hippies situada na fronteira entre a Polónia e a Ucrânia, onde se encontrou com a prima. Sempre com uma saborosa caneca na mão e um cigarro nos lábios, eu e o Garcia íamos recebendo tudo aquilo com ternura. A conversa continuou seguindo o trilho do Rodolfo, que confessou a sua recente paixão por Berlim depois de três dias mornos em Amesterdão. Falou das pessoas, da incrível beleza e energia da cidade, e deixou-nos aos três com a “obrigação” de lá passar um dia.
Durante o jantar, nesse mesmo sítio, eu e o Garcia fomos partilhando as nossas experiências enquanto todos dividíamos dois ou três deliciosos pratos no centro da mesa. Dou especial destaque à velocidade com que eu e o imediato Garcia devorámos tudo o que nos aparecia à frente (eu, por exemplo, nas 23 horas de comboio só comi uma tigela de Goulash – uns 6 cubinhos de carne regados com um bom molho – estávamos esfomeados.).
Deixámos o restaurante já contentinhos e dirigimo-nos a um bar de reggae e funk. A nossa querida Elvia foi lá ter, e espalhou todo o seu charme e carinho com um doce e sublime “Olá!!”. Já não via aquele sorriso há quase dois meses, foi fabuloso.
O resto da noite foi feito com algumas cervejas, muitas conversas, mais intimidade e partilha, e uma boa quantidade de funk na pista, com o Garcia e o Rodolfo numa acesa competição pelo troféu de “dança de maior destaque” da noite.
O dia seguinte fez-se de passeios pelo centro da cidade, diferentes refeições no mesmo restaurante (valia a pena), e ao final da tarde, antes de voltarmos a atacar mais umas Pilsner, enquanto a Elvia desenhava sentada num banco de jardim e o Rodolfo e o Botelho manjavam as suas mini refeições à GOE, surgiu um momento decisivo na nossa viagem.
O Garcia e eu discutíamos os nossos próximos passos, quando e para onde íamos a seguir, e depois desse sítio o que se seguiria, etc. Até que, depois de umas quantas hipóteses em que não chegávamos a um consenso, sem conseguir encontrar uma solução que desse para os dois, mergulhámos num demorado silêncio meditativo. Julgo que ambos sabíamos o que ia acontecer, mas estávamos os dois, cada um a pensar para si, fitando o vazio, a tentar descobrir se havia outra saída. Acabei por encolher os ombros e interiorizar confiante: “Vai saber muito bem”. E fiquei á espera que o meu grande companheiro de viagem fosse o primeiro a sugerir o inevitável.
“Se calhar vamos ter que nos separar” desabafou segundos depois, com um sorriso embaraçado.
“Parece que sim ameigo”, respondi de pronto, a pulsar de emoção. Soltámos uma pequena risada e demos o assunto por encerrado. Partíamos no dia seguinte ( Domingo, dia 3) para Cracóvia e aí passaríamos as nossas duas últimas noites como parceiros nesta viagem. Depois disso, cada um seguiria o seu próprio caminho. Ele inclinava-se para aproveitar a derradeira parte destes dias em Berlim; eu seguiria para Guca, na Sérvia, curtir o festival de música balcânica, e compraria o bilhete de avião a partir no dia 13 em Munique com destino à nossa bonita Lisboa.
Depois desta decisão os nossos corpos foram invadidos por um turbilhão de sentimentos poderosos, nos quais se revelavam mais fortes o desejo de abraçar a solidão e o nervoso causado pelo receio do incógnito.
Seguimos para o restaurante do costume, agora na esplanada, e, movido pela adrenalina que o novo trilho me injectava, decidi pagar umas rodadas aos amigos. Os cinco a beber animados, a falar e a gozar uns com os outros, e eu e o Garcia acompanhados de perto por uma estranha sombra.
A noite foi marcada por longas caminhadas; uma fugaz passagem por uma discoteca marada preenchida por vietnamitas, muçulmanos, um ucraniano, nós os 5 e, claro, um ou outro grupinho de bifes bêbados; (Ah, houve também uma multa nojenta de 35€ no metro para mim); e as madrugadoras e rápidas despedidas dos nossos três amigos. A Elvia num eléctrico a acenar de olhos semi-cerrados, o Rodolfo e o Botelho com uma “bolacha” (cheeseburger) na mão, preparados para apanhar o comboio das 5 e tal para Viena. Foi assim que os deixámos.
Recordo estes momentos a três horas e meia de distância de Praga, acabado de almoçar aqui no comboio, ao lado do meu amigo. Daqui a poucas horas vamos estar a abraçar o Ricardo Garcia em Cracóvia, e depois é cada um para o seu lado. E que lados mais mirabolantes se adivinham.
Não desesperes, querida solidão.
Já estou a caminho.


3/8/2008, entre a República Checa e a Polónia, no comboio.

11/09/2008

De comboio pela europa ( Capítulo 5)

Cá estamos nós sobre carris outra vez.
Quando entrámos no comboio em Split, cidade por onde ainda devemos passar, tínhamos pela frente nada mais que 23 horas até Praga. Há uns meses eu ficaria assustado perante esta notícia. Hoje sorrio. Quanto mais horas melhor, é o que sinto.
Durante esta viagem já bebi um litro de cerveja checa por 2€, conheci um grupo de três irlandeses e uma simpática irlandesa, ouvi boa música no meu deficiente mp3, li as aventuras do meu colega Jack Kerouac pela estrada fora, ri-me descontroladamente com o Garcia com piadas atrás de palhaçadas durante as primeiras horas de viagem, vi a nossa cabine a ser invadida por duas inglesas ( um delas ostentava uma voluptuosa côdea) que nos obrigaram a tentar dormir sentados, fui acordado às 4 da manhã pelo Garcia a avisar-me que elas tinham bazado e podíamos voltar a dormir descansados, acordaram-me bruscamente às 8.30 da manhã com gritos de aviso “Croatian Passport Control!!!”, conseguimos filmar o processo seo o policia se aperceber, vagueei sozinho pelas carruagens com a cabeça lançada para a paisagem, comi uma salsicha de Frankfurt oferecida pelos irlandeses para pequeno almoço, um dos irlandeses deixou-me enviar uma mensagem ao Rodolfo para poder comunicar os pormenores da nossa chegada, e...sei lá o que fiz mais. Usufrui, acima de tudo.
Suponho que sejam umas 10 da manhã agora. O Garcia dorme enrodilhado na cabine. Eu vim para uma vazia para não o incomodar com a cantoria e com o tabaco. Hoje às oito da noite chegamos ao nosso destino checo: Praga. O Rodolfo está lá, a Elvia também, o Botelho também deve estar e o Tomás poderá surgir por detrás de uns arbustos a qualquer altura com o seu aspecto aborígene com um ipod na mão direita a destoar e a gritar “Foquinha, foquinha!!!”. Sim, eu sou a foquinha para o Tomás. Vai ser engraçado encontrar o pessoal todo cá fora, do nada. Todo não, quase todo. Falta o nosso ameigo França!
Mas, resumindo, eu e o meu companheiro de viagem aguardamos curiosos pelo momento em que os nosso amigos nos vão aparecer à frente, numa rua qualquer da República Checa com um nome estranho do género Svelkoniz pro baterni, com aquelas caras tão familiares e com as suas vozes portuguesas a ecoar estranhamente pela nossa alma. Entretanto continuo a saborear a viagem neste velho comboio, por entre estações abandonadas, fotografias verdes e amarelas, com o sol a bater na janela e o vento a bater no rosto.

1/8/2008, Algures entre a Croácia e a Eslovénia, no comboio.

05/09/2008

Está desfeito.
ForamForam tempos e tempos de escrita, que revejo agora e constato que
Nada sei
Nada mudou
Nada de Nada.
E que alento existe com isto?
Aprendi alguma coisa, com tanto tempo de sofrimento?
Todas as perguntas que tinham continuam sem resposta...
O tempo não passou, ou passou rápido de mais.
Nao adiantou de nada ,foda-se.

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04/09/2008

Inversão de marcha

Desenvolvendo a questão: há aquela velha história de que Nietzsche ficou louco naquele, para mim, belo episódio em que ao ver um cavalo a ser chicoteado se abraça a ele de forma a protegê-lo, envolto em lágrimas. Mas Nietzsche, ele próprio, não era louco, obviamente. Isto é, ninguém tem o desígnio de ser louco, porra! Digo mais. Ninguém tem o "desígnio" de ser louco, incapaz, deprimido, ansioso ou solitário. As sociedades é que enlouquecem as pessoas, corrompendo o que de mais essencial nelas existe. É importante situar bem o problema.
Vamos lá, quero ver toda a gente a largar a sua culpabilidade. O vagabundo a ocupar, com naturalidade, uma casa vazia nas encostas da Azóia. O desempregado, de cabeça levantada, engendrando uma forma de assaltar na noite seguinte a empresa que o despediu, o deprimido, parando de se ver como um inadaptado incapaz e virando humorista, ao mesmo tempo que exige o pagamento integral dos seus anti-depressivos e da sua psicoterapia, quero ver o ansioso de t-shirt bem suada recusando-se a usar desodorizante cada vez que se reúne com os seus professores ou patrões, quero ver o solitário e tímido numa pose confiante, estilosa mesmo, a exigir a legalização da prostituição e a inscrição desta nos deveres públicos com o estatuto de serviço social.
Parece bem, ou quê?

De Vulnerabilidade ou essência para Vulnerabilidade e essência

Venho a subir a encosta da praia da ursa ,onde tinha acabado de viver momentos mágicos proporcionados pela minha primeira experiência de naturismo, acompanhada da sorte de ter a praia só para mim, quando cansado da subida naturalmente paro e viro-me de volta para a praia de modo a apreciar a paisagem. Como tudo aquilo era estupidamente belo, luminoso, grande e generoso. Como tudo aquilo me fazia sentido até às mais profundas entranhas. E que belas entranhas. Como sentia que pertencia e comunicava com todo aquele espaço, com aquela brisa aconchegante, com aquele mar, com cada árvore, cada planta. Pois cada uma delas é de facto única e parecia que me teria algo a dizer se lhe dispendesse o tempo necessário para o fazer.
Mas é engraçado como junto desta divina alegria; sim, divina, pois para mim isto é inequivocamente divino; apareceu, mais uma vez, uma certa onda depressiva que normalmente me atacaria forte e me levaria imediatamente a pensar que algo em mim estava mal. Se estava a sentir aquilo é porque não poderia estar a proceder bem. A velha história da culpabilidade. Contudo estava lúcido o bastante nessa altura e não caí na ratoeira. E digo ratoeira porque o que realmente percebi é que se havia ali algo que não estava a bater certo não era eu certamente. Encontrando-me no fim de um momento verdadeiramente feliz estava de regresso. De regresso ao imobilismo caseiro, à cidade que cada vez vejo mais como algo decadente, sem rumo e sem carácter, de regresso a pessoas que não vislumbram nem metade do que vislumbrei, a uma comunicação cada vez mais difícil , cada vez mais deficiente, a um novo ano académico, que se iniciaria brevemente com os seus horários rígidos e bem preenchidos, e objectivos exigentes e inócuos, cheio de sabedoria morta, mas altiva e arrogante com complexos territoriais face ao saber simples e fecundo, o saber criativo, de regresso a uma puta de uma sociedade sem perspectivas e sem vontade de as ter. O que estava mal, então, era toda esta merda. Toda esta merda que eu sentia que ameaçava a integridade da minha essência interior. Daí o sentimento dúbio. Não era eu, era a sociedade em que estou envolvido. Pois, sendo assim, há que dizê-lo:
-Quem tem razão aqui sou eu! O indivíduo... E acreditar em nós mesmos e seguir o que sentimos: batendo o pé ou abraçando uma mudança. Não sei, tomando uma posição.
Até porque nós sabêmo-lo. Na maior parte das vezes sabêmo-lo. É evidente! Quem mais pode saber de nós que nós próprios. Sabemos que temos razão. Mesmo que do outro lado esteja uma multidão. O problema é enfrentar a solidão. Enfrentar a solidão e torná-la fecunda.

O pequeno Vicente no Festival de Sagres

Estou perdido numa enorme multidão. Sinto-me tão pequeno. Não percebo nada do que as pessoas dizem. Nem elas próprias parecem perceber pois constantemente berram, mesmo estando umas ao lado das outras. Será que falam a mesma língua? Há foguetes no ar e uma banda a tocar mas não vejo qualquer alegria. É estranho, o ambiente começa a parecer-me tenso e assustador. Reparo que as pessoas se tocam. É... Eu também me sinto sozinho. Apetece-me abraçar alguém. Mas ao fazê-lo empurram-me e olham-me com as sobrancelhas marcadamente levantadas e bocas gigantes de espanto e repugnância. Experimento gritar, contudo é óbvio que ninguém me ouve, todos gritam também. Desato a chorar, já sem nada esperar, sem nada pedir e as pessoas ainda por cima afastam-se. Afastam-se com medo, desamparadas. Acho que vou correr, tenho que fugir daqui. Tudo isto é tão feio e assustador. Vou correr de olhos fechados. Vou correr de olhos fechados para sempre!

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Jack London!
"O Lobo do mar". Grande livro.
Meu companheiro de viagem durante este interrail.

As "Elegias de duíno"
de Rainer Maria Rilke
Ed. Assírio Alvim
Uma viagem.
Um gigante.
Um dos poucos professores do ISCTE porque quem eu nutro sincero respeito e admiração, Francisco Oneto de Antropologia, sugeriu-me os autores sociológicos Zygmunt Bauman e Jean Ziegler. Este do Zygmunt Bauman parece-me, agora, especialmente pertinente.
Este livro é magnífico.
É capaz de ter mudado a minha vida.
Incontornável.
Jack D. Forbes, descendente índio, é professor de Estudos Nativos Americanos na Universidade da Califórnia, em Davis.
"Canto de mim mesmo"
de Walt Whitman
Ed. Assírio Alvim
Fiz um novo Amigo.