31/08/2008

Aprender cenas

Foi aí que tudo se estragou. Quando comecei a aprender cenas.
Ou melhor, a ter que aprender cenas.
Como se eu não aprendesse já o suficiente por mim próprio...
Lá reparei, então, que nessas cenas que me impunham que aprendesse, o sabor do sucesso já não era o mesmo que dos tempos de criança.
A culpa recaiu dolorosamente sobre mim, "naturalmente". Pois senti que já não conseguia atingir a mesma alegria, o mesmo amor.
Mas toda essa alegria e esse amor tão naturais e espontâneos até então nada tinham a ver com "sucesso", e a culpa não tinha nada a ver comigo, e obviamente eu não tinha deixado de ser a mesma criança apesar de ter crescido.
O que me aconteceu foi que tive que aprender cenas. Foi apenas e só isso.
Mas cenas que não eram minhas, logo, o sucesso não poderia vir acompanhado daquela alegria e daquele amor pois também ele não me pertencia. Um e outros já não eram a mesma coisa.
Porque não era eu que ali estava, isto é, não era aquele o meu caminho.
Apreender cenas, ser alguém, que raio de obrigações!
Eu já era eu, e em bruto, e em todo o meu esplendor possível!
Mas, pronto, ao parecer-me faltar o amor exterior não acreditei no amor próprio, na minha bússola, e lá aceitei outras direcções, lá me deixei enveredar por outros trilhos.
Perdi-me, é certo, contudo, nunca me abandonei.
Portanto, já que se faz tarde:
-Passa para cá o escalímetro, artista!

27/08/2008

De comboio pela europa ( Capítulo 4)

O resto do tempo que passámos em Hvar foi um bocado marado. Nas tardes íamos passear e mergulhar no fresco mar Croata, passando por belas colinas rochosas e mulheres deslumbrantes. Mas as noites não nos foram queridas. Havia muitas raparigas bonitas, mesmo muitas, mas muita arrogância e frieza no ar, por detrás daqueles rostos de falsa felicidade. Não nos conseguimos adaptar à festa nocturna da ilha e acabávamos as noites cansados e frustrados.
Ainda nos encontrámos com um grupo de tias e tios portugueses de Lisboa de vinte e muitos anos, e passámos uma noite engraçada com eles. Nesse grupo havia uma miúda bonita e divertida que pareceu engraçar comigo mas apesar da minha vontade e de ter falado um bocado com ela ( Luísa, já agora) não me sentia com grande disponibilidade física e mental para tentar realmente. Muito cansado e confuso, e com uma dose de insegurança que também me diminuiu.
Na nossa terceira e última noite em Hvar saímos com o Matts e a Hannah, os nossos vizinhos noruegueses, e soube bem falar com eles. Pessoas inteligentes e humanas que nos trataram com carinho. Conhecemos nessa noite uma croata muito engraçada, cheia de brio e descontraída, que melhorou a nossa opinião sobre tudo aquilo. Falou e falou e continuou a falar e nós ouvimos divertidos.
Hoje acordámos cedo, arrumámos as nossas coisas, deixámos um bilhete na varanda dos nossos amigos noruegueses com sinceras despedidas e contactos electrónicos, e regressámos à estrada. Mais precisamente, ao mar. Que nem Van Weyden e Lobo Larsen! Ah, antes do mar ainda viajámos de autocarro de uma ponta da ilha até à outra pelas verdes e rochosas colinas de Hvar, numa estrada estreitíssima que nos obrigava a parar de cinco em cinco minutos para deixar uma qualquer velha carripana passar a rasar entre o nosso autocarro e o precipício desprotegido. Deu para soltar umas belas gargalhadas enquanto comíamos umas frescas maçãs verdes.
Chegados à outra ponta da ilha parámos num café para comer alguma coisa e saltámos para a proa do gigante ferry que nos trouxe de volta a Split. Quando nos encostámos na parte da frente com as nossas malas largadas no chão, uma corpulenta brisa a esvoaçar pelo corpo e o imenso mar à nossa frente, senti que é ali que me sinto verdadeiramente em casa, no caminho. A viagem é o meu terreno. Duas horas de voo espiritual colados ao mar da Dalmácea, com o sol a torrar-nos o corpo e a música do oceano a acarinhar-nos a alma. A chama reacendeu-se ali. Chegados a Split, com um sorriso rasgado estampado nos lábios, comigo em modo eléctrico, movido por uma energia natural imparável, fomos descobrir que existia um comboio às nove da noite directo para Praga ( eram 3 da tarde). Agradecemos à senhora da estação com palma, largámos as malas na cena das bagagens e seguimos à procura de um restaurante “bom e barato” para almoçar. Durante a procura abandonei a minha adorada mochila, agora decrépita e sem uma aba, e deixei-a junto a uma parede para quem a quiser agarrar. Comprei uma nova (“it’s a good (eastpak) fake!”, disse-me o cigano a quem comprei) e seguimos a com a nossa procura. Perguntei a uma dócil croata que trabalhava numa loja de roupa e ela, depois de uma agradável conversa num inglês arranhado, telefonou a um amigo que estuda inglês e chamou-o para nos ajudar a encontrar o tal restaurante. Cinco minutos depois lá estava ele, pouco sorridente, ao contrario dela. Suponho que só nos fazia aquele favor por amor a ela. Guiou-nos pelas ruas de Split, só ele, até um restaurante de comida mexicana, onde estamos agora. Uma esplanada confortável, comida muito boa a um preço justo, e uma empregada de mesa que me conquistou com o sorriso mais encantador que vi nos últimos tempos. Uma rapariga fabulosa por quem me sinto apaixonado neste preciso momento. Não consigo encontrar um único pormenor nela que não me delicie, completamente extasiado. Olhos rasgados, lábios macios e bem desenhados, cabelo liso castanho claro com uma pequena franjinha alinhada, um humor natural incrível, alegria sincera e contagiante intrínseca em cada movimento, em cada gesto, e um corpo formoso e tão generoso. Nem sei mais o que dizer, alem de “Que magia arrebatadora!”. Apesar desta contemplação platónica não me tratar bem, por não me oferecer mais do que um sonho, a minha vontade é de ficar aqui sentado eternamente a saborear este magnífico milagre da natureza, um verdadeiro poema divino. Ah, e ela trata-me tão bem...
Merda!!!

31/7/2008, Split, Bistro Black Cat

20/08/2008

Momentos bússola

Oh! Abençoada leveza.
Como me dissolves o peso da responsabilidade imposta.
Como esperei por ti, como te anseei.
Trazes-me de volta o amor sem interrogações, sem forma, sem fronteiras e sem rosto.
Um amor com todas as faces, que dá o alento da vida à alma e concede-lhe o poder da verdadeira visão.
A harmonia, a pulsão são de tal forma poderosos que não pedem nem desculpas, nem autorizações.
Tudo está tão certo, tão no seu lugar que é irresistível nos deixarmos levar.
E nada aqui é previsível, nada detém a conveniente solução.
Nem sei se há um problema ou sequer uma questão.
Há sim vontade e uma natureza que lateja.
Que lateja, sem parar.

18/08/2008

De comboio pela europa ( Capítulo 3)

A viagem de comboio desde Bled até Split foi, talvez, a melhor das viagens até agora. As pessoas no comboio eram mais parecidas connosco, jovens viajantes á procura de muito, e a paisagem que deixávamos para trás era bela e cativante. Uma croata de nome Matea meteu-se comigo e tivemos um bom tempo a conversar, conhecemos uns escoceses engraçados e até o pica da nossa carruagem era um baixinho com uma atitude castiça que descontraía.
A chegada a Split foi fabulosa. Eu e o Garcia, dentro de uma cabine só nossa, pasmámos o nosso olhar ao ver os prados e montanhas verdejantes a ficarem-se para trás perante o surgimento de um mar imenso, vibrante e cristalino, banhado pelo rejuvenescedor nascer-do-sol. Saímos da cabine e colocámos a cabeça fora da janela do corredor, contemplando toda aquela poesia natural refrescados pela carinhosa corrente de ar puro que nos levantava o escalpe.
De Split apanhámos o ferry boat para Hvar, supostamente a ilha mais bonita e desvairada da costa da Dalmácia. Até agora parece confirmar as expectativas. Mulheres bonitas são quase demasiadas, o mar que banha esta ilha é paradisíaco, e a vida que aqui pulsa é avassaladora. Embora um pouco hollywoodesco, o ambiente de Hvar é tão boémio e diversificado que não é difícil encontrar o nosso espaço por aí. Há muitas opções, muitos estilos e muitas pessoas.
Bem instalados na casa de uma curiosa família croata, num quarto só nosso, começamos finalmente a comprar cenas no supermercado e a cozinhá-las em casa. Temos tido sucesso na função de cozinheiros.
No quarto ao lado está um casal bem simpático de noruegueses da nossa idade, - o Mats e a Hannah.
Ainda nos encontrámos com eles ontem à noite e trocámos umas quantas histórias.
Hoje foi um dia do caralho. Depois do almoço apanhámos um táxi boat até Marinkova, uma ilha perto da nossa onde a “praia” é melhor e menos populada. Meto aspas na praia porque areia não existe, é só pedras. Mas perante o que aquilo é, as pedras são um mero pormenor. Mulheres fabulosas, esplanada de luxo ( e com bom gosto), uma água perfeita em todos os aspectos e uma paisagem inebriante de pequenas ilhas castanho-esverdeadas espalhadas pelo mar. Passámos a tarde entre banhos de sol, mergulhos refrescantes e másculas contemplações humanas! ( eu queria escrever humanas contemplações).
Regressámos ao final da tarde, outra vez de táxi boat claro, mas agora íamos os dois sozinhos deitados na proa, costas a descansar nos vidros da frente do barco. Foi com um sorriso de incrédulo orgulho que nos aproximámos de Hvar e com uma gargalhada sonora saltámos para terra.
Telefonámos finalmente para família e amigos de uma cabine pública de Hvar, junto ao mar. O Garcia ligou ao Rodolfo e à mãe, eu liguei à minha amiga Joana e à minha mãe também. Foram telefonemas rápidos que serviram para avisar que tudo corre tranquilo, mas souberam muito, mas mesmo muito bem. Foi estranho ouvir alguém falar português outra vez, ouvir a nossa língua depois de uma semana soou a um carinho indescritível. Estranho mas bom.

Hvar – 28/7/2008

De comboio pela europa ( Capítulo 2)

Depois de ontem ter visto um conjunto de tabletas de madeira, à porta de uma casa campestre de Bohinj, a indicar a distancia a que nos encontrávamos de várias cidades europeias desde aquele ponto preciso, percebi como estávamos definitivamente muito longe da nossa terra. Engraçado que de todas as inscrições que marcadas, e eram umas quinze, a nossa era a cidade mais distante: Lisbonera, 1900km.
Agora, numa estação de comboios perto de Bled na Eslovénia, Lesce-Bled, assimilo esta distancia de uma forma que ainda não me tinha atingido. Miúdos estranhos rodeiam-nos, labregos mesmo, espalham-se por esta esplanada colada aos carris. Arrotam, também as miúdas, falam alto e dão valentes murros na mesa, e agem de uma forma completamente brejeira. Incomodam um bocado mas também me rio com isto tudo. Sinto-os atrás de mim, personagens de um mundo totalmente diferente do meu, e bebo a minha quarta garrafa de cerveja consecutiva, sob um calor intenso, enquanto observo as gigantes montanhas que se erguem do meu lado esquerdo, lá ao fundo depois dos sujos armazéns e das longas planícies. Sinto-me verdadeiramente, e por fim, livre nos confins desconhecidos do estrangeiro.

Lesce-Bled, 27/7/2008, 16:03

De comboio pela europa ( Capítulo 1)

A primeira paragem desta viagem foi Barcelona, a minha antiga segunda cidade. Digo antiga porque aquele éden citadino mudou muito, e não foi para melhor.
Ao contrário do que se passou da última vez que passei por lá, quando fiquei hipnotizado por aquela vida, agora senti uma tensão no ar, menos alegria e liberdade, mais caras fechadas e entraves à descontracção. Apesar desta mudança ainda me diverti bastante, principalmente durante o dia, onde aquelas ruas sinuosas e a vida boémia da cidade continuam a palpitar, mas também me diverti pela sempre fabulosa companhia do Rui e do Nuno. Os nossos amigos estavam a poucos dias de voltar a Portugal depois de um mês de aprendizagem musical numa escola catalã.
Quando deixámos Barcelona, com eles os dois roídos de inveja, eu e o Garcia dirigíamo-nos a Munique. A meio do caminho decidimos mudar a nossa rota até Ljubljana, Eslovénia. Foi uma viagem serenamente magnífica, trocando de comboios aqui e ali, num total de 28 horas de paisagem verdejante e imponente.
Em Ljubljana esteve-se bem. Conhecemos pessoas incríveis, verdadeiros gentlemans, como diria o meu companheiro de viagem. Registo o André e o Vinko. O André levou-nos a almoçar num restaurante à nossa medida e deu-nos umas preciosas dicas sobre a cidade. O Vinko guiou-nos na primeira noite até ao nosso hostel e até Metelkova, sem dúvida um cativante refúgio artístico e revolucionário, composto por alguns pavilhões antigos decorados por grafittis, esculturas, e outras peças de arte de diversos estilos. À noite havia sempre um bar para nós, errantes, e os jovens que preenchiam aquele espaço fantasma chamado Metelkova eram marcadamente ávidos.
Depois de duas noites em Ljubljana acordámos com o bichinho da viagem a sussurrar no nosso ouvido novamente. Levantámo-nos determinados a seguir para outra e abraçámos o conselho do André: Bohinj.
Bohinj é uma vila que descansa entre gigantes montanhas, junto a um enorme lago, límpido e cristalino. Apanhámos o autocarro de Ljubljana até lá. Usufruímos de três dias mais tranquilos, genuínos e refrescantes, rodeados por uma paisagem natural surreal, de tão abundante que é. Árvores luminosas, um lago translúcido, comidinha boa, uma cascata selvagem e um parque de campismo envolvente e acolhedor. Sim, utilizámos a nossa tenda novinha em folha, finalmente. Depois de trilhar pelas verdes montanhas de quase dois quilómetros de altura, e de uns quantos mergulhos no lago, aqui estamos nós no centro de Bohinj. Eu bebo uma cerveja, o Garcia lê o seu livro, e ambos nos preparamos para ir tomar o nosso último jantar nesta terra. Amanhã partimos para a Croácia, errando.
Já lá vão oito dias desde o início da viagem!

Bohinj, 26/7/2008, 20:00

13/08/2008

A vida é curiosa.
Voces sao os maiores.

09/08/2008

Ni Tko Ne Zna

Nao consigo escrever nada sobre Guca por agora.
O pulsar frenetico e sorridente da vida abraca-me tanto que afastar-me para o libertar no papel seria um desperd'icio.
Talvez um dia consiga escrever um livro sobre este mundo.


ps: Estou com um sorriso maior que a eternidade.

02/08/2008

ja devia ter feito isto antes.O tempo está sempre no meu encalco.
Bela cidade esta que suporta tal alegre encontro.Chegam carregados de novas historias e mais alegria.Respira-se a amizade.
Como me alegram .









praha