18/03/2009

Sei apenas onde moras

Sei que não serás quem procuro.
Que moras na imprevisibilidade da minha liberdade.
E como essa não se conhece pois apenas acontece
Não quero encontrar-te.
Seja de que forma for.
Porque, afinal de contas, encontrar-te-ia
em forma de previsão aprisionada
ou de consolação passada
de uma solidão só minha e por mim abandonada.
O que eu quero mesmo
é que me aconteças, que me surpreendas.
Pois eu a ti quero-te real!

Olho à minha volta

Olho à minha volta.
Não gosto do que vejo.
Questiono-me:
Amo ou odeio?
E penso:
O que possui possui-me.
As palavras não são propriedade de ninguém.
Não escolherei.
Quem domina é dominado.
Amarei o que amar
E odiarei o que odiar.

05/03/2009

Good morning, my beautiful fantasy!

Ao ligar a rádio viro, sem hesitar, o sintonizador para a esquerda. É a Kiss, a M80, ou a romântica que eu procuro. Procuro músicas foleiras que tragam com elas aquela alegria fácil e desapegada, quase patética. Porque há algo de patético em estar feliz e estar ao teu lado.
Digo patético só para que me compreendam, porque de patético nada tem. É uma provocação paradoxal e irónica que me surge porque neste momento nem sequer me passa pela cabeça sustentar o mínimo que seja a integridade de uma qualquer moral, de uma qualquer ideologia ou de um qualquer políticamente correcto. A integridade procuro-a agora na probidade pessoal e na força deste momento, na sua extâsiante verdade. Porque sinto que a vida é de facto minha e a sua energia e o seu poder são-me imanentes, são-me naturais.
Estamos os dois parados na bomba de gasolina a comer um pequeno almoço improvisado, sentados de pernas cruzadas, literalmente em cima do capôt do nosso clássico carro, recentemente emprestado pelo teu avô, e cada um de nós está vestido de uma forma mais arrojada que o outro. Nenhum dos dois cumpre a imagem do estreótipo sexual que seria suposto mas, no entanto, nunca nos sentimos tão sensuais em toda a nossa vida. A aragem é morna e deliciosa e o sol ainda é brando como que a querer propor-nos um bom recomeço. Reparo que o reflexo que faz incidir sobre nós parece tornar-nos reluzentes. Neste mesmo instante passa um pássaro num vôo raso mesmo à nossa frente, não mostrando o mínimo de temor. Isto chama-te à atenção e perguntas, sorridente:
-Para onde é que a gente vai, Pedro?
Ao que eu respondo:
-Não faço a mínima ideia!

04/03/2009

Cansaço

Se sentes como teu
o cansaço que sentes
e se esse mesmo cansaço te sabe bem
então podes ter a certeza que estás no bom caminho.

03/03/2009

Conversa de tasca

-Tentar ser tudo, de outra maneira, sem ser narcisicamente? Como? Aonde é que esta gente pertence? Já pensaste nisso? O que é que existe maior que eles? O que é que existe nesta merda de mundo que lhes faça sentido serem apenas o que são? Hein? O que é que lhes pode ser infinito senão eles mesmos? Deus?... Deus está morto, como dizem os filósofos. Mas e a religião, perguntas tu? A religião vende-o, obviamente, de uma forma perversa, colocando-o num altar transcendente, inatingível. Oh, lá estás tu pá, a natureza?... Onde é que ela está, porra? O que é que a minha vida tem de natural? Diz-me lá! A minha, ou a tua? Hein, caralho? Só nos resta fornicar aí que nem coelhinhos. É verdade. Só nos temos uns aos outros, pelo menos é essa a nossa ideia. Mas coelhinhos perversos, o que é que tu pensas? Ah pois é!... Pois cada coelhinho se sente na merda, sozinho, desintegrado, dilacerado, logo, na hora do coito, o coelhinho não fornica apenas a coelhinha, come-lhe a cabeça, chupa-lhe o coração. Ou o inverso, a coelhinha faz o mesmo ao coelhinho.
-Eh pá, pára lá com essa merda!
-Não pára nada. É o que dá meter coelhinhos em cativeiro...

Sociedade de mártires

Eu não serei mais uma daquelas pessoas que se prende no esplendor que causa aos outros, no exemplo que lhes oferece, na liberdade que lhes promete e por aí fica, que nem Narciso ofuscado com o seu próprio reflexo. Que nem Narciso, que hipnotizado com o seu reflexo prescinde em continuar a olhar para dentro, ou seja, a olhar em frente. Não, eu não serei um mártir. Eu não sucumbirei às exigências desta sociedade que faz dos homens consumo de outros homens. Uma sociedade canibal. E estes homens permitem-no. Não, eu não serei infantil e cobarde a esse ponto como Jim Morrison ou Ian Curtis. Depois de ver os seus filmes salta-me imediatamente à vista a sua cobardia, a sua infantilidade! E a perversidade de uma sociedade que a isso estimula, que disso se alimenta...
Tal como uma criança que tudo sonha e tudo pensa obter dos pais mas que depois se vê frustrado ao deparar-se com a sua não omnipotência e na melhor das hipóteses conquista, na superação deste conflito, a sua autonomia. Estes jovens tudo sonharam e tudo pensaram obter do mundo. A tudo estavam dispostos. Mas obviamente não receberam tudo. Só que desta vez, na segunda grande fase de crescimento pessoal sucumbiram, exactamente no momento em que lhes surgia a possibilidade da grande evolução. Sucumbiram infantilmente à finitude da providência terrena, à finitude do seu ego, ou seja, à inevitabilidade da escolha contida no acto de ser. Não, isto não aceitariam.
-Não ser tudo, ser apenas um. Isso é ser nínguem ou é ser mais um. Diriam eles...
-Está errado! Digo eu.
Mas foi desta forma que não aceitaram a realidade. Preferiram a ilusão do potencial infinito à vida real. Preferiram o reflexo à imagem interior. Ao que lhes ficou eternamente grata a sociedade, naturalmente, pois disto se alimenta e nisto se sustenta: o reflexo dos seus, não a sua verdadeira essência. Assim sendo mais uma vez possuíu vampirescamente um dos seus filhos, sacrificando-se, ao mesmo tempo, a si e à vítima num ciclo vicioso.

Rascunhos:

Toda a sociedade está construída para criar mártires. A moral é uma fábrica de mártires, de modelos ou melhor de marionetas. Enterre-se a moral, desenterre-se a ética!

Foi nisto, principalmente, em que tropecei toda a minha vida. Os meus erros consistiam em parar no caminho exactamente quando me consideravam um exemplo, ou seja, um mártir. Abdicava de mim mesmo para servir os outros. A isto chama-se um mau amor, e é o que abunda...

Digo mais. Quem não sabe envelhecer, quem não quer até de facto envelhecer naturalmente é cobarde, é ignorante, é infantil. É o quê? É um mártir...

(...)

-Anda aqui, agacha-te. Toca, toca na terra.
É isto que deves pisar, é sobre isto que deves caminhar.

A estupidificação do homem em 30 segundos

Começou cedo isto. A grande estupidificação do homem.
Platão destroi a filosofia ao institucionalizá-la, o cristianismo afasta-nos do corpo, da vontade de poder, do divino na terra, do divino imanente. O estado de direito retira-nos o acesso à violência, logo a seguir a distanciar-nos da terra ( isto é, da Natureza que é no final de contas o seu principal meio de subsistência, entre muitas outras coisas) com a edificação da propriedade privada, a política afasta-nos do próximo ao complexificar e elevar, ao nível da transcendência, a moral, o capitalismo ainda intensifica mais a tónica no ter em vez de no ser, e o consumismo deturpa-nos o critério e enfraquece-nos o poder de escolha para não falar do de criação.
Desde cedo o homem é iludido de que ganha ao perder responsabilidade, de que ganha na medida em que for mais elevada a transcendência do seu objecto de vontade, de desejo. O objecto passa a definir o sujeito e isto a todos os níveis... Foi iludido e deixou-se iludir de que estranhamente se tornaria mais livre quanto mais fraco se tornasse.
É este o grande erro da humanidade: a criação da moral. Pois este erro veio sempre acompanhado do perverso e mesquinho crime da destruição da ética pessoal, ou seja, do sistema de valores pessoal, adquirido pela experiência essencialmente, que está incontornável e felizmente ligado à responsabilidade pessoal. Não existe liberdade sem poder, sem responsabilidade e sem risco, e não existe nada para o homem no plano dos valores a não ser a própria ética. Repito: nada!