03/03/2009

Sociedade de mártires

Eu não serei mais uma daquelas pessoas que se prende no esplendor que causa aos outros, no exemplo que lhes oferece, na liberdade que lhes promete e por aí fica, que nem Narciso ofuscado com o seu próprio reflexo. Que nem Narciso, que hipnotizado com o seu reflexo prescinde em continuar a olhar para dentro, ou seja, a olhar em frente. Não, eu não serei um mártir. Eu não sucumbirei às exigências desta sociedade que faz dos homens consumo de outros homens. Uma sociedade canibal. E estes homens permitem-no. Não, eu não serei infantil e cobarde a esse ponto como Jim Morrison ou Ian Curtis. Depois de ver os seus filmes salta-me imediatamente à vista a sua cobardia, a sua infantilidade! E a perversidade de uma sociedade que a isso estimula, que disso se alimenta...
Tal como uma criança que tudo sonha e tudo pensa obter dos pais mas que depois se vê frustrado ao deparar-se com a sua não omnipotência e na melhor das hipóteses conquista, na superação deste conflito, a sua autonomia. Estes jovens tudo sonharam e tudo pensaram obter do mundo. A tudo estavam dispostos. Mas obviamente não receberam tudo. Só que desta vez, na segunda grande fase de crescimento pessoal sucumbiram, exactamente no momento em que lhes surgia a possibilidade da grande evolução. Sucumbiram infantilmente à finitude da providência terrena, à finitude do seu ego, ou seja, à inevitabilidade da escolha contida no acto de ser. Não, isto não aceitariam.
-Não ser tudo, ser apenas um. Isso é ser nínguem ou é ser mais um. Diriam eles...
-Está errado! Digo eu.
Mas foi desta forma que não aceitaram a realidade. Preferiram a ilusão do potencial infinito à vida real. Preferiram o reflexo à imagem interior. Ao que lhes ficou eternamente grata a sociedade, naturalmente, pois disto se alimenta e nisto se sustenta: o reflexo dos seus, não a sua verdadeira essência. Assim sendo mais uma vez possuíu vampirescamente um dos seus filhos, sacrificando-se, ao mesmo tempo, a si e à vítima num ciclo vicioso.

Rascunhos:

Toda a sociedade está construída para criar mártires. A moral é uma fábrica de mártires, de modelos ou melhor de marionetas. Enterre-se a moral, desenterre-se a ética!

Foi nisto, principalmente, em que tropecei toda a minha vida. Os meus erros consistiam em parar no caminho exactamente quando me consideravam um exemplo, ou seja, um mártir. Abdicava de mim mesmo para servir os outros. A isto chama-se um mau amor, e é o que abunda...

Digo mais. Quem não sabe envelhecer, quem não quer até de facto envelhecer naturalmente é cobarde, é ignorante, é infantil. É o quê? É um mártir...

(...)

-Anda aqui, agacha-te. Toca, toca na terra.
É isto que deves pisar, é sobre isto que deves caminhar.