29/12/2007

Algo familiar

Observo com satisfaçao ( perdoem a falta de acentuaçao, computadores alheios...) um povo distinto.
Parece que estou num mundo novo.As pessoas nao sao pessoas, sao uma especie nova que descobri.
Estas " criaturas" (no sentido mais carinhoso da palavra) fascinam-me com a sua pureza.
Nem sei se pureza sera o termo mais adequado, na verdade nao consegui ainda escolher uma palavra que os caracterize...e dificil, debati-me toda a tarde com isto.

Vivem e sao felizes , porque sim.
So porque sim...
Trocam caricias e palavras entre si constantemente.Nao consigo acompanha-los sequer...Olham para mim como se fosse um corpo estranho, que na realidade sou.
Sou um intruja, uma coruja...Sempre com os olhos vidrados nesta nova maneira de viver.
Toda a informaçao e repetida duas vezes...parece que perdi a audiçao.

Espero aprender, e viver com eles.Por agora contento-me com os momentos de reflexao , que sao na sua maior parte preenchidos por eles.
Agrade-me bastante que "eles" me ocupem o pensamento...Embora nao chegue a conclusoes algumas, e mesmo sendo por vezes invadida pelo assunto proibido...

Como agora invade e polui este texto...Esta agarrado a mim, ou estarei eu a agarrar-me a ele?
Espero entender porque me agarro tanto a ele, a esse pedaço negro e nefasto.

Sera por isso que sou estranha aqui?Eles veem essa podridao agarrada a mim!
Desejaria deixa-lo ca, mas eles nao o merecem.Terei que leva-lo de volta comigo e uma vez em terras familiares o largarei no mar.


Amanha rumo para uma outra aldeia, Moron.

Fantasia

Canto ou não o limoeiro
Aqui ao lado?
Ele é tão delicado!
Tem um jeito tão puro
De se encostar ao muro
Onde vive encostado...

Canto ou não canto as tetas de donzela
Que daqui da janela
Vejo no limoeiro?
Elas são tão maduras...
E tão duras...
Têm uma cor e um cheiro...

Canto!
Nem serei o primeiro,
Nem eu sou nenhum santo!


Miguel Torga

28/12/2007

Perspectiva

Olho a sebe de versos que plantei
Ao longo do caminho dos meus dias:
Tristezas e alegrias
Enlaçadas
Como irmãs vegetais.
Silvas e alecrim...
O pior e o melhorque havia em mim,
Num abraço de arbustos fraternais.

Nada quero mudar dessa harmonia
De agruras e doçuras misturadas.
Pasmo é de ver a estranha maravilha.
Poeta que partilha
O coração magoado
Por presentes e opostas emoções,
Contemplo, deslumbrado,
O renque de vivências do passado,
Longo poema sem contradições


Miguel Torga

Santo e senha

Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.

Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora

Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
Uma estrela no chão


Miguel Torga

23/12/2007

O espaço entre dois sons_2

Feliz é aquele que acorda e se reencontra com prazer...
Utópico é aquele que ambiciona tal prazer todos os dias.

Construo e sigo o amargo caminho que tenho que percorrer.
Caminho como se fosse a primeira vez e resvalo.Devia exigir mais de mim?
Reclamo o direito à vulnerabilidade, faz-me sentir ... viva.
Levanto-me , não tenho alternativa, e sigo.


Agora , gosto de andar sozinha.
Pelo caminho encontro outros que tal como eu procuram um novo rumo.
Sozinhos, acompanhamo-nos.
A vocês, Obrigado ...


Sinto-me bem.

18/12/2007

Como que me sonhei

Parece que a minha vida me leva para onde não tinha imaginado.
Ou me leva, pelo menos, por caminhos que não tinha equacionado.
Parece que renunciarei à guerra, à luta e à crítica mortas.
Pois não quero perder tempo, não pretendo jogar à defesa e não desejo viver escondido.
Não secarei, portanto, o meu corpo, não deturparei minhas emoções.
Criar-me-ei para ser. Poeta fazendo-se poema, continuamente.
Amarei na pessoa amada a liberdade.
A liberdade que desejo e de que, ainda, não disponho. Como alguém me ensinou.
Nem, aqui, pretendo dependências.
Nos compromissos sociais, que possam haver, só oferecerei o meu exemplo, nada mais.
Porque ser modelo é apenas uma ilusão e não alimenta ninguém.
A ver vamos, então, se estarei à altura de tamanha "responsabilidade"...

O meu primeiro amor

Por vezes tenho medo
de cair profundo
neste eterno mundo que sou eu
Ouvir o silêncio
Abraçar a coragem
De ser

Por vezes tenho medo
de largar os pecados
os amores herdados
ou apenas encontrados
e lançar-me à verdadeira procura
à verdadeira viagem.

Por vezes tenho a certeza
que foi este impulso
este ardor
O meu primeiro amor!

10/12/2007

Está lá à espera

Dia 19

Vem cá meu amor, vamos passear. Não precisamos de ninguém, vamos juntos caminhar. Hoje o sol aquece-nos o corpo e a alma, há toda uma energia no ar. As cores do mundo estão mais vivas neste dia, mais animadas, existe uma alegria evidente em tudo o que nos rodeia. Caminhamos livres, pelo prazer do estar e do saborear. Não, hoje não precisamos de conter este entusiasmo, hoje entusiasma-mo-nos naturalmente, desfrutamos cada centímetro deste trilho como se fosse nosso, porque é nosso realmente. Vem comigo meu amor, vamos ver o mar? Sorris ao de leve e deixas o teu corpo flutuar comigo, esse teu sorriso contagiante que me faz transbordar de confiança. É incrível como tudo o que existe nos cumprimenta à nossa passagem, com cumplicidade. Tudo faz parte, nós fazemos parte. Os teus pequenos passos contrastam com as minhas passadas desajeitadas, mas vamos ainda ao mesmo ritmo. O nosso ritmo. Olhamos para fora, para todos os magníficos elementos que passam por nós, mas não olhamos um para o outro. Não precisamos, sentimo-nos simplesmente.

28/3/2007 – Quarta – 17:06 – Forno da Praceta, Caxias.

Ainda lá está

Dia 64

Abanando, oiço a música com o corpo e a mente, ela entra em mim e eleva-me, entranha-se nos meus sentidos docilmente e faz-me voar…sonhar. Viajo no meu carro sozinho pelas ruas de Portugal, do Portugal rural, com a música como parceira, como confidente e amante. De mãos no volante, um olho na estrada e outro na paisagem que passa, vou errando pela estrada veloz e compenetrado, magicamente inebriado pela panóplia de tons e acordes musicais que o rádio me dedica - a música do viajante, crescente e imagética, extra-sensorial e intima. Vou sonhando nostálgico com episódios memoráveis do passado e sentimentos que provei, sonhando esperançoso com aventuras futuras e descobertas mirabolantes, conduzindo junto ao asfalto com a alma a voar bem alto. A emoção fervilha ao ritmo da música, ela conduz-me a seu bel-prazer…e eu agradeço. Vou arranhando e cristalizando as minhas cordas vocais aqui e ali, cantando convictamente aquelas linhas da letra que me compreendem melhor, fechando os olhos por breves segundos, com o braço esquerdo fora da janela, esticado a brincar com a fresca corrente de ar que se contrapõe à abafada temperatura veranil. As curvas são feitas harmoniosamente, como um acorde fluído e aberto, as rectas são aproveitadas ao máximo, com os pneus bem abraçados ao chão, a deslizar tranquilamente rumo à próxima curva. A viagem é completa, é mágica e intemporal, interior e exterior…a viagem é minha.

12/5/2007 – Sábado – 16:37 – Em Casa.

02/12/2007

Passeios

Acordava sempre acompanhado pelo sol que raiava.
Cedo se punha a caminhar com gestos que não eram só seus pois com tudo comunicava.
Chegava à cascata e deixava-se cair na água.
Entrava nela como que se entregando.
Mas não ficava por aí,
provocava-a, brincava com ela,
nadando energéticamente,
criando nela,
ondas e sobressaltos
mas sentindo sempre o seu acariciar.
Depois do banho, iniciava o seu passeio por entre a floresta.
Já tinha, no caminho, uma ou outra árvore predilectas, às quais não resistia abraçar-se quando por elas passava.
Seguia em direcção aos arbustos.
Lá, adorava perder-se de olhos fechados e braços abertos.
Caminhava assim entre eles.
E sentia as suas folhas
fazendo-lhe cócegas em todo o corpo
e na cara.
Por fim, quando a densidade permitia
lançava-se mergulhando para dentro destes.
Até que caía deitado e assim se deixava ficar
olhando o céu por entre as folhas e ouvindo todos os sons que conseguia alcançar.
Adorava estar assim deitado
desafiando a normal prespectiva.
Tudo era relativizado intuitivamente.
Ele brincava com o mundo.
Quando se sentia satisfeito ou farto de ali estar seguia de encontro ao vale ali próximo,
onde costumava estar a conhecida matilha de cães.
Com eles divertia-se a lutar.
Mas comportava-se como eles durante o processo.
Ladrando e investindo patadas e mordidelas...
Mas nada de sério, normalmente.
Apenas se divertiam.
Já enebriado pelo prazer do cansaço,
o corpo já mais dilatado,
procurava, então,
uma árvore madura com ramos generosos
e dormia com ela, sobre ela,
e aninhado.