27/10/2007

janela com ângulo morto

Não sei, nada sei.
O turbilhão na minha mente é tão forte que me esvazia o pensar
Nada penso, nada vejo.
Arrasto-me pelos mesmos cantos sem me encontrar, cego e cinzento.
Choro pela inércia e caminho com ela sem me aperceber,
não descobrindo espaços onde me aconchegar.
Só um sitio me abarca nestes dias,
um anexo incrivelmente quente e voluptuoso que me massaja os sentidos
Ah..esse anexo, tão pequeno e imperfeito
que sedutor refúgio esse!
Aí sim, pinto quadros em sorrisos de olhos entreabertos
Divago pelos divertidos ridículos da desconexão,
encaixado nas ancas do profundo olhar que me saboreia
Aí sim, onde o prazer não tem estrutura
onde o desnudo conforto de estar me segura,
Aí sinto-me.
Mas só aí.

23/10/2007

O orgão das memórias sentimentais nasceu já trabalhando.
Cresceu comigo e depressa se habituou aos percalços da vida.
A terra girou e girou .
Um dia parou para observar, surprendido ficou ao ver que
mais nada mexia.Que afinal o seu recheio era ar.
Estava oco, sozinho e escuro.
Mirrou, contraiu-se sem nada poder fazer e expulsou o ar.


Desfez-se como uma onda e deixou-se levar pela corrente.
Desfeito , rendeu-se à água e à ríspida areia.
Desistiu.
Desisto.

20/10/2007

Aér...Chuva, humor e suor.
A personalidade , ou capa social, é vista com agrado por todos.
A individualidade ténue invisível e misteriosa .
Mal se sente...e só isso é suficiente para cativar e fazer sonhar.
A realidade ficará de momento esquecida porque só ela me poderá abordar.
Sonho intermitente que cresce embora haja a consciência da platónica situação.Deixo-me levar pela corrente do rio prazerosa e fresca ,sentido a água e o ar.

15/10/2007

Como o meu cão fazia

Hoje parei para lamber as minhas feridas.
Mas sem vergonha, com prazer.
Fi-lo de olhos fechados.

09/10/2007

O caminho e o cruzamento

Tanto tempo se perde na busca da legitimidade de ser que o amor dará.
Tanto tempo se perde na busca de ser amado.
Como que de nós abdicamos, pondo o assunto de lado
e deixamos que domine a energia do passo
o caminho caminhado,
o tal ser, o tal ser que queremos amado.
E muitas vezes concedemos tal poder
sem o tal ser o merecer,
ou sem este sequer existir,
pelo menos, na forma ansiada, na forma tão desejada.
Pois, não percamos tempo e aprendamos tanto a caminhar como a amar sozinhos.
E assim saborearemos o passo, escolheremos o caminho...
No meio de tanto sincero alento não acredito que não surja um cruzamento.

O espaço entre dois sons

Dependência

A afeição que me impele para o objecto desejado, está manchado em subordinação inconsciente.
Esta ligação tão forte criada pelas complexidades da alma, faz com que um objecto não possa existir sem o outro, subordinante, o outro passa a viver como um acessório um simples anexo que tal como um parasita não faz mais nada senão ser a sombra de um corpo.
Nesse espaço privado de luz, o teu corpo interpõe a clareza deixando para mim nada mais que as trevas e a escuridão.
O meu espírito solitário sucumbe com defeitos perante um véu de ignorância que cresce implacável à medida que o tempo passa.

Ao mesmo tempo uma sombra é por definição uma companhia inseperável;
Adivinha-se um iminente desfecho, mas não será na verdade a sombra "a mais afortunada" desta música?


Não te desejo a solidão , mas tanto tempo me deixaste lá...

06/10/2007

nocte

Mais um período de existência seguido pelo espaço de tempo entre o crepúsculo da tarde e o crepúsculo da manhã.
Procuro o entretenimento leve e superficial que faz com que me aguente até à chegada da noite.
Nessa altura tudo é verdadeiro, e por entre a escuridão a inconsciência surge tomando controlo.
Por vezes tristeza e sofrimento, mas também alguma gratidão por te ter conhecido.
A mística fez com que tudo valesse a pena e embora o inevitável tenha chegado , essa nunca irá morrer.
O tempo perde os seus limites assemelhando-se à eternidade vagarosa, pesada e fastidiosa.Não tenho onde ir, nem me resta mais nada a não ser esperar.
Ansiosamente olho para o relógio na esperança que os dias passem ,e o presente se transforme no passado dando lugar a um futuro mais luminoso.
Desejo-te o mesmo.
Até lá, cá estarei.

.

02/10/2007

Carpe Diem

Proponho que te olhes com outros olhos neste dia.
Proponho-te que não prescindas destes momentos, que não os subestimes.
Aprecia cada dúvida. Os seus caminhos, as suas revelações.
Aprecia cada tristeza, cada lágrima a correr-te o rosto e cada espaço que se renova ou acrescenta em ti.
Aprecia cada fraqueza, cada diminuição do ritmo do teu metabolismo.
Aprecia a despedida de alguns sentidos. Esta vem sempre acompanhada do surgimento de novos e, por vezes, mais subtis e mais deliciosos.
Aprecia até o dissipar-se da luz. Aprecia a escuridão. Não sabes que as pupilas se dilatam e os olhos se adaptam?
Proponho, assim, amares-te como amas quem amas, lugar onde qualidade e defeito, força e fraqueza, alegria ou tristeza são muito dúbios, não havendo sequer a necessidade de os distinguir, de os separar, possibilitando sempre a continuidade.
Proponho-te, acima de tudo, que não percas este dia.

01/10/2007

Perder o centro

Chega a casa, cansado e ferido, o guerreiro.
Entra cumprimentando os seus com afecto e com ternura enquanto vai despindo a pesada armadura.
Senta-se à mesa. Reúne-se. Alimenta-se. E partilha o seu dia sem rodeios.
Sobe em direcção ao quarto. O corpo pede-lhe. Deita-se então na cama do seu quarto cada vez mais decorado à medida da sua natureza e acede respeituosamente ao merecido pedido do seu corpo. Por fim, o descanso. Deixa-se ir pela descontracção mas acompanha-a a consciência.
De olhos fechados pensa na batalha de hoje. A primeira depois de uma grande temporada pacífica e serena. Prolífica e generosa.
Sente que faltou a confiança em si mesmo, no seu eu continuamente renovado. Assustou-se com os primeiros ataques, com a atitude dos seus inimigos. E rapidamente associou disponibilidade a vulnerabilidade. Fechou-se. O seu corpo tornou-se menos flexível e perdeu forças. Quanto mais se fechava, mais as perdia. E quando já desorientado e ferido começou a utilizar as estratégias e armas do inimigo, aí, então, elas esvaíam-se. Esvaíam-se como que envergonhadas. Só lhe restava defender-se, esgotar-se e, por fim, fugir. Vazio, sozinho.
No caminho de volta sentiu-se sujo, sentiu-se desonrado. Usar as armas do inimigo. Que erro gigante. E este motivado pela falta de confiança em si mesmo. Isto não! Isto não se poderia repetir.
O guerreiro era duro e exigente nas suas auto-análises mas também sabia como abraçar-se. Procurava rapidamente a conciliação.
De olhos ainda fechados começa, então, a intuir a estratégia para o dia de amanhã.