15/02/2007

A ideia e a matéria

Vou pegar novamente no tema do aborto. Mas vou utilizá-lo apenas como um bom pretexto para uma análise social mais vasta.
Vejamos um excerto do artigo de José Gil da visão desta semana, com o qual eu me identifico inteiramente:
"Os argumentos do "não" concentram-se num ponto: a questão referendada não se refereria à "despenalização" mas à "liberalização"do aborto. De onde, é-se ou não pelo direito à vida? O feto não é vida em crescimento, um ser humano em potência? O aborto é, pois, um crime, e o "sim" equivaleria a uma "matança dos inocentes". Passa-se, com um salto, do nível penal para o nível moral-metafísico a partir do qual se julga o valor jurídico da acção. É o que se chama um sofisma.
Curiosamente, as contradições implícitas no sofisma não incomodam os apoiantes do "não" (por exemplo, aceitam a lei actual que admite o aborto em casos de violação: não se mata também uma vida humana? Então porque é que a aceitam?) A argumentação pelos direitos da vida transforma a lei jurídica em lei moral e, esta, em lei divina. Tornam o "por ou contra" a despenalização do aborto em "por ou contra" a vida humana. Ora nem o Código Penal é a Lei de Deus, nem a moral que o inspira pode ser absoluta. Tem que dar margem ao relativo, aos conflitos da realidade, à extrema complexidade dos casos singulares. É isto o espírito das leis para uma justiça humana."

O comentário do texto fica para depois...
Preciso de sair de casa!

14/02/2007

Uma alegria docemente desconhecida

Estou à mesa com o meu irmão. Num restaurante qualquer, que me agrada bastante. Cumprimos voluntariamente o intervalo para o jantar. Um intervalo no trabalho que todas as segundas nos acompanha.
A minha cabeça jaz na palma da minha mão que por sua vez se apoia no meu cotovelo. Estou como que deleitado sobre mim mesmo.
Nenhum de nós fala. Nem mesmo eu que transbordo uma alegria docemente desconhecida.
Insisto no vinho. O meu irmão deixa-se ir. O meu impulso foi convincente.
Parece que não há o da casa. Acabamos, então, por ser presenteados por um modelo melhor ao preço do caseiro. Apraz-me a figura e o anúncio da garrafa. Delicio-me a ler a sua constituição e a definição do seu sabor. E delicio-me a degustá-lo.
O prato já está pedido com um trato de mútua qualidade. O melhor do que podemos está disponível e em breve estará na mesa.
O humor começa. E começa bem. Todas as minhas personagens saltam cá para fora. Todas sem excepção. E nelas não me perco, pelo contrário, pressinto encontrar-me.
O bom jantar está quase a acabar e já anseio pelo prazer do cigarro. O meu irmão pede-me para esperar. E eu espero.
Ele acaba. Eu peço os cafés e acendo o cigarro.
Descrevo o prazer do cigarro e elogio a beleza da chávena, branca e amarela. Impecável!
O meu irmão pergunta-me quase retóricamente:
-Estás apaixonado?
Ao que eu respondo:
-Tenho dúvidas...
E pisco-lhe o olho.

Basta! Já não me basto!

Já não me chegam os meus poderes de curandeiro,
a minha auto-suficiência.
Já não dou conta da dimensão das feridas
acumuladas nas novas batalhas.
Já não me satisfaz o passo pesado de guerreiro,
as suas vitórias solitárias.
Preciso de voar.
Preciso de amar.
Agora!

12/02/2007

Negra, fria e seca sedução

O medo seduz-te, finge proteger-te.
E tu, por vezes, acreditas e permite-lo envolver-te.

Mas consigo apenas traz amor passado.
Amor que já não te satisfaz.
Que não respeita nem acompanha o caminho para que estás lançado.

Acredita no amor que está para vir,
aceita também a sua dor
e despede-te do medo
seguindo o teu caminho...

-Mentiroso!

O medo mente-te e adultera-te o desejo de mudança.
Ele não almeja mais que a mera segurança.
Se abraças o medo sobrevives.
Larga-lhe a mão e vives!

Tu?

Inspira-me este precioso e preciso momento a escrever:
-Amo-te.
E rapidamente esse preciso e precioso momento acabou.
De onde parte esta loucura tão duvidosa?
Sinto mesmo que te amei.
-Então a quem escrevo meu amor?
Continuo a falar contigo...
Estás em minha consciência, mas isso é tão longe, quero-me aproximar de ti.
Fazes então parte das minhas necessidades subconscientes.
Mas é certo também que o meu consciente também precisa de ti.
Estranhas as condições que me impões, fala comigo...
-Estás aí?
Apetece-me insultar-te mas temo que fujas.
-Doce puta!
Percebes o que te digo?
Não te queria ofender.
Longe de mim maltratar-te.
-Cabra não respondes...
Vou dormir então.
-Espero não te ter afastado.

04/02/2007

Simultaneamente indiferentes e curiosos

Estamos nos bancos traseiros
de um carro que nos guia para algum lado.
Olho para ti e evidencia-se louca a beleza.
Uma beleza que vai para além da tua responsabilidade,
que me envolve e continua.
Estavas a olhar para a janela mas agora também olhas para mim.
Já sei. Sabemos os dois.
Que nos temos que beijar.
A tua respiração cada vez mais ofegante e afirmativa
vai ajudando na luta que travo para com as feridas passadas.
Na dança que prossegue vou oscilando, no mesmo lugar,
entre a criança, o homem e tu.
-Eh pa! Já chegámos.
Saímos, simultaneamente, indiferentes e curiosos.
Não interessa onde vamos pois já vamos interessados.
Dás-me a mão...
Há quanto tempo não dava a mão?
Ah! O mundo é meu outra vez!
Ah, aquele sentimento...
Ninguém me dita regras, nem mesmo a razão.
Não sirvo ninguém...
Não sou dependente de ninguém
pois tenho-te a ti.

Para onde vou? O que quero?

Os primeiros impulsos excitados e sinceros confundiram-se na transformação que tiveram que operar face à oposição com que se iam deparando. Agora sentes-te cansado. E inquieta-te saber que é um cansaço que não pede descanso. É um cansaço ansioso que anseia pela tua fuga.
Já se assustou ele por ti, fez-te esse favor. Agora não entres tu em pânico. Respira fundo, fala com ele. O medo, certamente, não te saberá dizer onde tens que ir mas poderá ajudar-te a saber onde ficaste...
Para onde vou?
O que quero?