03/04/2008

Aikido e o princípio da não resistência

Transcrevi este texto porque sinto saudades do Aikido, uma arte que eu admiro e de que gosto bastante. E também porque há nele um príncipio fundamental que é o da não resistência, que é extraordinário, e que está a fazer especial sentido no momento, um tanto ou quanto turbulento, por que estou a passar agora. Aprofundem o príncipio da não resistência até à sua dimensão interior: não resistir ao Caminho, não resistir à dúvida, ao cansaço, à ansiedade, ao medo... Não resisistir ao caminho e não resistir ao próprio caminhante, basicamente. Ah!... E contextualizem bem o texto. Não comecem logo com preconceitos de merda. Já agora, aproveito para fazer publicidade à maior personalidade do Aikido em Portugal, Georges Stobbaerts.
Um "sinhor"!

"É isso o sentido do Aikido
Manuel Galrinho

Excertos de uma entrevista dada pelo Mestre Morihei Ueshiba a 16 de Julho de 1962, a uma estação de rádio japonesa.Esta entrevista com a duração de 15 minutos foi publicada por Itsuo Tsuda, no seu livro “Le Dialogue du Silence” ed. Le Courrier du Livre em 1979.

Entrev. – O Sensei pratica todas as manhãs?

Ueshiba – Sim. A prática é uma prática solitária. Reservo a manhã para o meu treino. Não esqueço de saudar o oriente e as quatro direcções. Isto a fim de fazer aiki entre mim e o Universo, ou seja, tornar-me Um com o Universo. (…) Se digo praticar não se trata de tomar duches frios. Saúdo o oriente, faço aiki a fim de realizar a harmonia com todos os seres, com todos os fenómenos. Rendo as minhas homenagens às quatro direcções com o desejo de agir como homem correcto, enquanto japonês irrepreensível. (…)

Entrev. – Gostaria de lhe colocar algumas questões sobre o que se passou quando fazia a aprendizagem das artes marciais. Disseram-me que tinha uma saúde frágil na juventude e que, para melhorar a sua saúde, decidiu praticar as artes marciais…

Ueshiba – (…) Os meus pais não estavam de modo nenhum de acordo relativamente à minha peregrinação pelas artes marciais. Havia entre os nossos antepassados um que tinha um certo conhecimento das artes marciais e que era bastante forte. Gostava de lutar e de vencer. Os meus pais não queriam que eu me tornasse como ele. (…)

Entrev. – Mas praticou jujitsu, kenjitsu, lança…

Ueshiba – Sim, fiz de tudo. Com a idade de 6 ou 7 anos ia ao templo budista e aprendia os clássicos, as histórias e muitas outras coisas. Ao mesmo tempo aprendia as artes marciais. Mas eu não ficava numa disciplina por muito tempo. Três meses no máximo. Tinha 15 anos quando vim para Tóquio. Aprendi judo com o mestre Tokusaburo Tozawa que era co-discípulo de Mestre Kano. Aprendi shinyu-ryu e kito-ryu. Mas não me convinha porque antes de mais eram lutas para decidir quem era o mais forte.

Entrev. – O seu espírito recusava incondicionalmente as artes marciais.

Ueshiba – Sim, elas não se acordavam com o meu espírito.

Entrev. – Mas sensei. Você esteve na guerra russo-japonesa e era o mais forte de todo o regimento, ninguém o batia na arte da baioneta e era o mais resistente nas marchas forçadas. Essa força física não veio da sua aprendizagem das artes marciais?
Ueshiba – Talvez. É possível que isso seja um pouco verdadeiro. Mas através das artes marciais nunca atingiria a revelação. Tecnicamente e fisicamente, era sempre mais forte do que os outros. Fiz competições que deixavam ressentimentos nos meus adversários. Eu dizia-me a toda a hora que não devia fazer competições. Não é divertido nem vencer nem ser vencido. Mas no exército era obrigado a fazer face às dificuldades nacionais e de empenhar a minha vida para salvar a pátria… Mas no exército não há verdadeira sinceridade. A sinceridade existe, mas temos de aceitar o princípio que tudo deve centrar-se sobre o combate.

Entrev. – Isso quer dizer que se deve vencer de qualquer modo e não ser vencido.

Ueshiba – A vitória justifica tudo. Tem de se ganhar a guerra, não a perder. É lógico. Tudo é centrado no combate, ou seja no sentido da honra, é o espírito militar. A honra consiste em matar o maior número possível de inimigos, realizar feitos heróicos. Tudo é votado exclusivamente à luta. (…)

Entrev. – Sensei, você diz que o seu budo é a via do amor. É porque é muito forte que não se importa, ao contrário dos outros, em saber quem é o mais forte?

Ueshiba – Eu não olho os outros nos olhos, não olho a sua técnica, a sua maneira. Meto-os a todos no meu ventre. Como estão no meu ventre não tenho necessidade de lutar com eles. Faço tudo com a não-resistência. A não-resistência é a maior das resistências. A não-resistência protege-nos a todos. Depois dos 55 anos deixei de fazer competição. Não se deve nunca fazer competição. É fútil trabalhar com uma inteligência tão pequena. (…)
Não é necessário olhar os olhos ou o sabre do adversário. Se os olhamos somos influenciados e tornamo-nos mesquinhos. Basta ficar ali, de pé, sem pensar em nada. Então sentimos que somos um com o universo, que o universo no seu todo está no nosso ventre. Se somos atacados de improviso, estamos lá, a sorrir. E as pessoas caiem por si mesmas. Assim tudo é melhor. Toda a gente fica contente.
Por exemplo, este que está aqui é um americano. Veja isto por favor. É assim. Ele avança para mim. Se ele vem eu faço isto. Isto chega. Isto não é nada. É um exercício de gravitação pelo amor. Tudo circula. Eu faço o kiai «eii» e tudo salta duma só vez.

Entrev. – Ele deve ter 1,80m e 100kg.

Ueshiba – 112 Kg. (…) Deve medir 1,89m mas isso não é nada para mim. Isso não tem importância. Eu meço 1,55 com dificuldade. Se temos medo dos grandes o que será do Japão que é tão pequeno? Não se pensa senão na matéria. Se desenvolvermos o espírito este pode cobrir todo o universo. Eu não sou de modo nenhum desfavorecido. Que um país seja grande ou pequeno isso não tem importância. Um pequeno país como o nosso chega. (…) O Japão enquanto reino do espírito, deve guiar o mundo. Ele deve servir de centro para harmonizar o mundo. Não se deve lutar. A luta é o fim de tudo.

Entrev. – Sensei, o senhor tem 80 anos.

Ueshiba – Sim, quase.

Entrev. – Está bem de saúde. Quanto tempo dorme por dia?

Ueshiba – Duas horas. Por vezes uma. Mas o que é importante é a refeição. Como uma taça de caldo de arroz com ameixa salgada (umeboshi). Houve uma altura em que comia dois litros de arroz sem ficar saciado. Agora contento-me com uma pequena taça. (…)

Entrev. – Depois dum movimento tão violento, não fica cansado?

Ueshiba – De modo nenhum. Nunca fiquei cansado. Mesmo se praticar de manhã à noite com muita gente. Posso viver com uma sopa de arroz e umeboshi. Mesmo para uma folha de alface eu sinto gratidão, pois ela alimenta-me transformando-se em sangue e carne. Eu devo gratidão para tudo quanto existe. Hoje honrou-me com as suas questões. Isso permitiu harmonizar-nos. É isso o sentido do Aikido."

Retirado do site: http://aikideai.com/
Mas vejam também o site da "casa mãe" do Aikido em Portugal, edificada pelo grande Georges Stobbaerts: http://www.tenchi-international.com/.