11/03/2007

E naquele exacto momento

Domingo. Acordo mais cedo. E apresso-me a almoçar. Um almoço variado e nutritivo. Afinal de contas, vou andar de bicicleta. Algo que para mim é mais do que andar de bicicleta.
Planeio passar pela Estação Agronómica, esse oásis por muitos esquecido, pelo Jardim de Oeiras, local de convívio familiar aos Domingos e de ocasionais trocas de afecto, e por fim, pela praia, que estará cheia por esta altura mas que me oferecerá o mar como sempre. Mar esse que está sempre pronto a dar. A presentear-nos com mais espaço do que lhe pedimos e a levar assim consigo uma boa parte de uma certa claustrofobia que teima em não deslargar.
Bem, lá vou eu. Sem esforço vou gozando bons momentos: o raiar do sol e a boa visibilidade. O olhar do pôtro. Dois velhos à conversa, um casal de namorados que escolheu deitar-se na relva, uma criança jingando atrás de um pato. E o mar, o imenso mar.
Ao chegar a casa ainda me sinto com energia e a ideia era acabar a volta com o prazer da exaustão. Dou meia-volta e continuo. Deixo-me ir... Está-me a saber bem. Está-me a fazer bem.
Ao olhar para dentro de um carro que passa no sentido contrário vejo alguém especial. Uma rapariga que no liceu me deixava completamente louco.
Fabuloso!... É possível que ainda esteja mais bonita.
Ela não ia devagar, mas ainda abrandou, contudo a situação não proporcionava o encontro, portanto ficámo-nos pela troca de olhares e pelo cumprimento.
O momento alonga-se e prolonga-se para além de si mesmo. E eu saboreio-o deliciado, recordando-me e fantasiando.
Fabulosa rapariga!...
Neste exacto momento.
Uma estranha personagem destrói-me o equílibrio e derruba-me. Caio da bicicleta! A queda é pesada e aparatosa.
Deitado no chão de barriga para cima, zonzo e dorido, sinto que não vejo bem.
Uma cara se debruça violentamente sobre a minha!
-És um merdas!
-O quê?... - respondo atordoado.
-És um merdas Pedro Garcia. - di-lo como se em mim cuspisse.
Estranho e confundo-me com o facto de a personagem saber o meu nome.
-Nem foste capaz de dar meia-volta e ir cumprimentar a rapariga... Vai-se a ver e foi o mais acertado.
Olha bem para ti Pedro Garcia és uma criatura lamentável. Nunca mais te ergueste decentemente depois da tua queda.
Ainda te alimentas do passado. Em nada és muito bom. Há cinco anos que andas a tentar acabar um curso de três. E tens 22 anos e nunca tiveste uma namorada a sério.
Não sei... Queres ouvir mais é? Até dás vontade de rir.
-Mas... - gaguejo ao responder. Estou estupefacto com a situação e a sua verosimilhante agressividade paralisa-me.
-E, por vezes, ainda entoas o teu nome, Pedro Garcia, de uma forma sonante. Sabes a que me refiro. Ao teu ridículo narcisismo. E não é só o teu narcisismo que é ridículo. Tudo em ti é ridículo! - di-lo gritando-me ao ouvido.
Nesta altura já estou completamente à nora.
-Ainda chegaste a pensar em voltar atrás para falar com a tal rapariga? Para quê? Hein? E para quê, meu otário? Achas que merecerias aquilo? Achas?
Apenas tento-lhe responder com o olhar, já nem as palavras me ocorrem quanto mais uma lúcida argumentação.
Mas de repente começo a ver com mais nitidez e a sentir-me menos atordoado. Ergo apenas o tronco, com a força hesitante dos meus braços, devagar, forçosamente. E olho à volta, expectante...
O estranho personagem digno de um pesadelo desapareceu!
Mas não o fez sem me deixar desfeito e completamente desnorteado...
- O que é que foi isto?!
Pego na bicicleta cambaleando e direcciono-me para casa, a pé. Olhando envergonhado para os outros e pasmado para mim mesmo...
O caminho para casa é a subir. Sinto que a sinistra personagem talvez não me fosse totalmente desconhecida. E tenho a sensação que já me teria aparecido em momentos parecidos.
Mas a unívoca realidade que a personagem revelou ainda se me apresenta como a própria realidade...
Sinto-me um merdas!
Tenho que me recompor...

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

muito bom!
tá fluido pá. vejo o potencial, jovem garcia.

2:08 da manhã  
Blogger Arnaldo Icaro said...

talvez o texto escrito por pedro garcia que mais me agradou até hoje. Gostei muito.secalhar também porque senti uma ligeira cumplicidade com o mesmo.
Consegui entrar bem na viagem, e gostei.

Agora é hora de se erguer o grande pedro garcia, o verdadeiro, e lançá-lo ao mundo!
Penso que este mundo já o merece...

2:58 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home