01/10/2010

Número 1

Podemos-nos queixar da situação mundial actual, rogar pragas ao nosso país, atacar a nossa própria geração e colocarmos-nos de lado salvaguardando cuidadosamente a nossa virtude, solitária, por inevitabilidade de ser única.
Ou podemos seguir em frente não olhando à volta, procurando o denominado sucesso a todo o custo e sacrifício. Ridicularizando quem critica. Minimizando todo e qualquer sofrimento, todo e qualquer sonho até ao ponto em que os negamos e podemos finalmente continuar a seguir em frente ignorando voluntariamente se nos dirigimos, ou não, para Norte.
Ou podemos resignarmos-nos às evidências da realidade e vislumbrar-nos que oportunidades nos oferecem e que oportunidades temos nós a oferecer. Sem nunca incorrer no erro de olharmos o mundo destituídos do sentido do direito a existir como seres únicos que somos ou destituídos do nosso poder de criação.
Vivemos uma época em que o discurso e os valores nos prometeram todos os ideais mas não nos ensinaram que nenhum ideal existe por si só, que nenhum ideal pode ser concedido ou mesmo conquistado. Não nos ensinaram que todo e qualquer ideal é construído. E é construído e moldado a partir do que dispomos, dando sempre origem a algo diferente do imaginado mas não por isso menos satisfatório. Não nos esqueçamos que tudo aquilo que hoje achamos belo foi muitas vezes forjado na adversidade, na solidão, na minoria, na opressão, essencialmente, na tensão com a realidade. Um Camões, um Cesário Verde, um Teixeira de Pascoaes, um Fernando Pessoa, um Agostinho da Silva. Qualquer destes homens era à primeira vista um inadaptado para o seu tempo, um insatisfeito com a sua própria realidade, um revoltado com a sua própria condição. No entanto, por terem tomado a sua desilusão pela mão puderam olhar a vida de frente e abrir os braços ao que queriam.