28/10/2008

Ah e tal...

Saí, mais uma vez, de uma aula de Sociologia do consumo e estilos de vida mas desta vez não houve "transformações", o que aconteceu foi que tinha sido inundado de teoria sociológica. Um autêntico dilúvio: O paradigma marxista que se proprunha analisar o modo de vida das pessoas a partir da classe social, isto é, essencialmente a partir da sua dimensão económica, apoiado no denominado materialismo histórico, tinha progressivamente vindo a ser ultrapassado agora na dita época do pós-fordismo, da segmentação do mercado, da reflexividade social, da globalização, da emigração, da emergência das classes médias, da individualização por um novo paradigma pretensamente mais evoluído. Os agora chamados estilos de vida deviam ser analisados a partir não só da classe social. A questão parecia apresentar-se bem mais complexa, mais rica. Neste seguimento teórico apareceram, então, entre outros, os pós-modernistas a classificar a nossa sociedade de hedonista, pluricultural, pluri-identitária, afirmando que os jovens de hoje em dia vivem um "presente contínuo", centram-se no mundo sensível, reunem-se em tribos, exploram e degustam como nunca a Liberdade. Vivem à margem da superestrutura. Afirmação característica destes movimentos e muito importante...
Pois, ora muito bem. Isto é muito bonito, mas analisando o que se passa à minha volta com olhos de ver, o que eu vejo são tribos de jovens das mais variadas e exóticas com grande sentimento identitário e gregário a desagregarem-se logo na universidade se não conseguem enfrentar a hercúlea compatibilização das suas vidas com os estudos, ou, senão, logo a seguir, na entrada para o mundo do trabalho precário e, há que afirmá-lo também, bastante desumano. Vejo, por exemplo, bandas castiças, com qualidade e carisma a ficarem pelo caminho: -"Isto está nas mãos do mainstream, não há volta a dar-lhe", dizem-lhes. Vejo também jovens cheios de criatividade, de vontade, de ideias novas a serem castrados na universidade ou mesmo logo no liceu, exactamente os locais que deviam estimulá-los e, como, diria o outro, edificarem autodidactas. Isto porque: "o mercado está muito exigente"; "isto lá fora está muito competitivo"; "deixa-te de ideologias"; "o que tens a seguir é esta linha, é o que se faz no estrangeiro, é o que está a dar, é a única coisa que parece que funciona"; "não percas o teu rumo, vais ver que com sorte e com muito trabalho ainda és capaz de te safar". Que sentido teria a frase de Kennedy nos dias de hoje: " Não perguntem o que a América pode fazer por vocês perguntem o que é que vocês podem fazer pela América." dirigida aos ouvidos dos nossos jovens. Com as vazas cortadas e já subservientes provavelmente fingiam não ouvir ou fugiam dali para fora apavorados.
De qualquer maneira há sempre uns que aguentam o trajecto universitário mantendo alguma integridade e sangue na guelra. Saiem cá para fora e cheios de projectos lá avançam com uma pequena empresa inovadora e promissora. Só é pena é o mercado estar como está, entregue à "mão invisível", com monopólios, oligopólios, desregulação de preços e sem entidades reguladoras dignas do seu nome. Mas mesmo assim talvez ainda se safem, um ou outro. Só é pena se ficam clientes para pagar com contratos feitos e não o fazem por saberem estar defendidos por um sistema de justiça completamente deficiente e ineficiente que rapidamente encorajará estes últimos jovens a a declararem falência.
-Tudo isto é um bocado chato. Mas calma, porra! És muito nervosinho tu, um pessimista de primeira. Ao menos somos uma sociedade hedonista que vive como nunca para o prazer, para si próprios. Uma sociedade que valoriza o indivíduo acima de tudo. Nunca se viajou tanto... Até o Zé do café já foi às Caraíbas, queres apostar? Agora o facto do endividamento ser um fenómeno completamente generalizado e promotor de miséria isso é outra questão. Organiza-te! Olha como as pessoas saem à noite, a quantidade de espaços nocturnos com uma oferta tão diversificada. Não me venhas dizer que o facto desses espaços serem na maior parte das vezes fechados e pouco propícios ao convívio influencia alguma coisa, ou ainda que o facto de cada vez mais pessoas consumirem drogas pesadas olimpicamente na noite e organizarem orgias maradas tem alguma coisa a ver com o dia a dia que têm. Não... Não percebes nada disto. Confundes tudo. Juntas alhos com bogalhos. Lá por uma pessoa trabalhar 10 horas por dia, ser mal paga e não trabalhar no que gosta não quer dizer que não se consiga divertir. Não quer dizer que não se consiga realizar pessoalmente não quer dizer que isso afecte a sua saúde mental e muito menos que dificulte a criação de relações com outras pessoas. Descontrai um pouco, ou vê lá se te calas, então! Não tenho tempo para isto... Amanhã tenho que ir trabalhar porra! Desaparece-me da frente, estás -me a deixar nervosa.

O que eu quero deixar claro, e o Rodolfo já me vai chamar de comuna, é que a vida social, o indivíduo que somos, do qual eu não gosto muito, o indivíduo característico da sociedade como a entendemos hoje, é inequivocamente indissociável do económico, é indissociável da superestrutura. Estas questões não podem ser ignoradas nem sequer minoradas dentro da nossa consciência política. É muitíssimo pertinente reler Marx nos dias que correm. E Keynes também... Estas novas teorias pós modernas côr-de-rosa, nas quais eu reconheço algumas qualidades, são muito engraçadas mas não almejam o filme todo. Se aqui escolhermos viver, isto é, senão fugirmos para uma qualquer comunidade isolada (uma possibilidade bem provável nos tempos que correm), há que ter bem presente o paradigma marxista. Nesta sociedade nunca haverá liberdade sem uma superestrutra que a proporcione e que a legitime (duas acções também obviamente indissociáveis). Era bom que as coisas não fossem assim.
Mas são carago!!!!
E se assim é:
-Tomemos os edifícios!...

1 Comments:

Blogger Chatimsky said...

Tomemos os edifícios!

10:08 da manhã  

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