01/04/2007

Heróis do mar?!




















«Depois de tantas décadas de convívio íntimo oficial com uma imagem particularmente irrealista da nossa História e das nossas possibilidades, o despertar dessa existência eufórica acabada em pesadelo tinha de arrastar após si o impulso duradoiro dessa mitologia nefasta. Como era de esperar, não seria uma Revolução caída do céu militar que poderia repor miraculosamente o País em condições de se readaptar, enfim, àquilo que é e que pode. As contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa demais. A urgência política só na aparência suprimiu uma questão que também na aparência o País parece não se ter posto. Mas ela existe. Querendo-o ou não, somos agora outros, embora como é natural continuemos não só a pensar-nos como os mesmos, mas até a fabricar novos mitos para assegurar uma identidade que, se persiste, mudou de forma, estrutura e consistência. Chegou o tempo de existirmos e nos vermos tais como somos. Ao menos uma vez na nossa existência multissecular aproveitemos a dolorosa lição de uma cegueira que se quis inspiração divina e patriótica, para nos compreendermos em termos realistas, inventando uma relação com Portugal na qual nos possamos rever sem ressentimentos fúnebres, nem delírios patológicos. Aceitemo-nos com a carga inteira do nosso passado que de qualquer modo continuará a navegar dentro de nós. Mas não autorizemos ninguém a simplificar e a confiscar para benefício dos privilegiados da fortuna, do poder ou da cultura, uma imagem de Portugal mutilada e mutilante, através da qual nos privemos de um Futuro cuja definição e perfil é obra e aposta da comunidade inteira e não dos seus guias providenciais.»

Texto retirado de um blog feito por Jorge Pereinha Pires e José Francisco Pinheiro: "Brava Dança". O texto é do Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade - Psicanálise mítica do destino português
, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978 (Junho)


A ver se o Eduardo Lourenço me ajuda a pensar sobre isto...