21/06/2011

A avó e a pequenita

Comparar-te à minha avó pode-te parecer estranho, no mínimo. Mas é de mim uns dos maiores elogios que podes receber. A minha avó materna é personagem curiosa, mulher de mil surpresas. À partida não tem nada de especial e a sua natureza e seus comportamentos dificilmente produziriam em desconhecidos uma avaliação digna da sua pessoa. Mas neste caso considero-me um bom observador, e, assim sendo, aproveito cada sua manifestação para a homenagear. Esta senhora, já diminuída física e psicologicamente lida com a vida com uma das maiores mestrias que me foi dada a honra de conhecer. A vida para ela é simples. Gosta do que gosta, não gosta do que não gosta. Ama a vida, e irá apreciar cada momento à sua maneira até ao seu último suspiro. A entrega que tem para com a vida é total, e a generosidade do afecto que lhe investe é uma não questão. Isto é, não é um problema em si, com o qual se debata, é facto consumado. Se tem afecto exprime-o. Assim ama despudorada e temeráriamente, pretendendo dar e receber tudo o que lhe possa ser possível a cada instante que passa. Eu amo esta senhora e já foram várias as vezes em que na presença da família disse em tom de leve solenidade que todos temos muito a aprender com ela. Claro que a maioria não compreende, e a reacção ao meu comentário ora passa pelo riso declarado e pela surpresa indiferente, ora pela ideia de que foi um comentário simpático e ingénuo vindo de um neto de sua avó.
Contudo é esta avó que face à inevitabilidade do seu envelhecimento, da diminuição das suas forças e aumento da sua dependência, lhes faz frente fazendo miraculosamente com que estes joguem a seu favor. Pois os olhos que já eram em si abertos ainda mais se arregalam a cada beijo e cada abraço que lhe dão, as manhas se já não eram poucas, agora se multiplicam e se fortalecem com toda uma renovada ardilosidade. A forma como pede um braço para a ajudar a caminhar é meticulosamente feito de uma forma simultaneamente doce e desinteressada; há que atender a necessidade sem perder a dignidade; nunca se esquecendo de aplicar umas palmadinhas leves na face da nossa mão aquando percorrido o caminho pretendido. É esta avó que eu chamo Rainha das Arábias e Sábia anciã, ou que a comparo à rainha da Jordânia para a equiparar devidamente com as personagens da sua literatura cor-de-rosa. É em frente a esta avó que eu danço que nem um louco com o intuito de lhe retribuir alguma alegria e de a presentear com um momento de jovialidade. Ela adora! No entanto, como é característico da minha natureza por vezes exagero. Ora, nesses casos ela imediatamente me ignora com toda a assertividade que é possível empreender em linguagem gestual. Não dá hipótese. Páro no mesmo instante. Com ela a comunicação é fácil. Contudo não deixa de ter o cuidado de, rapidamente, depois de eu ter já parado, alterar a expressão e me retribuir ainda assim um sorriso bem marcado. A minha avó não é parva. O espectáculo que eu lhe proporciono pode ser excessivo e esbater em muito as fronteiras do ridículo, mas jamais correria o risco de perder a possibilidade de este espectáculo se repetir caso ela assim o desejasse. E é com esta arte que lida com tudo aquilo que considera importante. O que não considera importante, não tem importância, é simples.

Ora, tu lembras-me a minha avó. Agarras o desejo como um tesouro, belo por natureza, e entregas-te a ele com os todos os teus sonhos e alegria. Nem sei se o agarras efectivamente. Isso faço eu, tu não. Nem sei se tens essa necessidade, tu corres atrás dele de sorriso no rosto, serenamente desamparada. A tudo de bom acedes, dás a mão, e és excelsa ouvinte de tudo o que te possa ter para dizer.
Ainda não sei como reages em seguida, ainda não te conheço bem. Mas em agir és bela por não ter medo que a vida detenha a razão e por não estragares aquilo que te é oferecido por ela em primeira mão. Senhora de mil afectos, dóceis e serenos por não terem medo de ser selvagens, és mulher inteira, e talvez nem o saibas, e talvez o sejas por não o saber. Até tenho medo de o dizer, nem sei. Deixa-te estar assim quietinha, nesse teu movimento, nessa dança que é tua. Hei-de te ter ainda assim toda selvagem, toda menina, toda mulher. E seria para mim honrosa missão salvaguardar-te de qualquer espécie de cativeiro. Seria para mim motivo de desconhecida felicidade observar-te a viver e ter-te presente no meu caminho.