Gandhi e Swadeshi - Coisa simples, nada de muito complicado.
O que fez o Gandhi na nossa situação?
"Quem reflectir na Globalização Económica em que vivemos – quem perdeu o seu emprego devido à deslocalização de multinacionais em busca de trabalhadores miseravelmente pagos no estrangeiro ou ao encerramento de fábricas com falta de encomendas face à rivalidade das estrangeiras, quem pensar na agricultura, nos terrenos abandonados e improdutivos, nas pescas, nos têxteis, na nossa dependência energética e divida externa e em toda a austeridade que nos é imposta em prol de uma economia distante que não passa de um rodopio de crises de cariz financeiro – não pode, pelo menos, deixar de achar curioso que, há cerca de um século atrás, Gandhi tivesse idealizado uma filosofia preventiva destes mesmos acontecimentos: O Movimento Swadeshi.
O que é o Swadeshi:
Swadeshi é o espírito interior que nos diz que devemos servir o nosso vizinho mais próximo antes dos outros e consumir produtos dos nossos vizinhos em vez de produtos vindos de lugares remotos. Fazendo isto, podemos servir a humanidade no máximo das nossas capacidade. Não podemos servir a humanidade negligenciando o nosso vizinho. – Young India - 1919.
É pecaminoso comprar e usar produtos provenientes de trabalho precário. É pecaminoso comer cereais americanos e deixar o meu vizinho, comerciante de cereais, passar fome por falta de clientes. Da mesma maneira, é pecaminoso usar a ultima moda de Regent Street, quando sei que se tivesse usado artigos de fiadeiras e tecelões locais, ter-me-iam vestido, alimentado e agasalhado. - Young India, Oct. 13, 1921.
A minha definição de Swadeshi é bastante simples. Não posso servir um vizinho distante em detrimento do meu vizinho mais próximo. Não é algo vingativo ou punitivo, e de nenhuma maneira me impede de comprar, de qualquer parte do mundo, o que eu necessitar. Apenas me recuso a comprar seja de quem for, por mais bonito ou barato que seja, um produto que interfira com o meu desenvolvimento ou que prejudique indirectamente aqueles que a Natureza fez com que fossem os meus mais chegados. – Gandhi
O sistema económico que todos os dias alimentamos é movido pelo petróleo, uma energia relativamente barata que permite que um produto proveniente de um pais distante consiga, implicando trabalho precário e outros jogos fraudulentos de corporações que não respeitam de forma alguma a dignidade humana, chegar às nossas casas com um preço mais baixo que o daquele que nosso vizinho mais próximo produz. Sim, esses são os maus da fita, mas… somos nós que compramos os seus produtos.
O Swadeshi, para Gandhi, era muito mais que um indivíduo ou uma família ser auto-suficiente. O seu sonho era a criação de Comunidades Auto-suficientes, tendo chegado mesmo a propor que, a cada vila, fosse dado o estatuto de Republica Comunitária.
A razão era simples: Gandhi sabia que, com a Globalização Económica, cada nação iria querer exportar mais e importar menos para manter o balanço dos pagamentos a seu favor, e que isso iria gerar crises económicas sucessivas, desemprego constante, e um descontentamento crescente por parte das populações. [1]
E agora que tudo parece um emaranhado de impossibilidades, que podemos nós fazer? Será possível reavivar o Swadeshi? Como poderemos nós, nas nossas comunidades, despertar as consciências para a importância das economias, artes e ofícios locais… para tentarmos, pelo menos tentarmos?
Para muitos, isto pode soar a Nacionalismo, mas não, pelo contrário. Gandhi também nos ensinou, através das suas palavras:
Até o Swadeshi, como qualquer outra coisa boa, pode conduzir à morte se for levado apenas como um fetiche. É um perigo que tem de se ter em conta. Rejeitar produtos, meramente porque são estrangeiros, ou desperdiçar tempo e dinheiro ao País para promover produtos nacionais que não são apropriados é um crime, e é também a negação do espírito Swadeshi. Um verdadeiro seguidor do Swadeshi nunca vai demonstrar hostilidade para com um estrangeiro: ele nunca vai actuar com antagonismo para com ninguém na Terra. Swadeshi não é um culto de ódio. É uma doutrina altruísta, com as suas raízes no mais puro ahimsa (Signif: Amor).
Se reflectirmos bem, o objectivo não é cortarmos todas as ligações com o mundo. Não se trata de nos isolarmos ou de nos voltarmos a fechar numa economia onde ficaríamos todos pobrezinhos e pouco mais. É apenas um princípio que explora positivamente os recursos de cada região e a potencialidade das suas respectivas populações, privilegiando e fomentando as actividades locais, contribuindo, assim, e muito, para o aproveitamento dessas qualidades e para o combate ao desperdício energético.
Gandhi apostou no Khadi, através de um recurso que a Índia possui em abundância: o algodão. Este passou a ser o símbolo e o veiculo da resistência ao Império Britânico, provindo as populações que praticavam o Swadeshi. Um dos primeiros passos que teremos de dar será precisamente reflectir acerca de qual é o nosso Khadi, qual o produto em que devemos investir para diminuir a nossa dependência exterior.
Claro que estas ideias acabam sempre por trazer ao de cima uma das questões mais antigas enraizadas no ser humano, o pensamento comparativo que provém da inveja e da cobiça, do qual provém o seguinte raciocínio: “a comunidade do meu vizinho é mais rica do que a minha”. Mas Gandhi deixou-nos alguns alertas:
“Um certo grau de conforto físico é necessário, porém, acima de um determinado nível, torna-se um obstáculo em vez de uma ajuda. Por isso é que o ideal de criar um número ilimitado de desejos e de satisfazê-los é um engano e uma armadilha. A satisfação própria das necessidades físicas deve chegar a um ponto e parar, antes que degenere em decadência física. Os europeus terão de remodelar as suas perspectivas se não quiserem perecer sob o peso dos confortos dos quais se estão a tornar escravos. “
Olhando para esta imagem, não parece tarefa fácil. Como implementar ideias tão simples e que acabam por contribuir para o bem de todos nós num mundo cada vez mais desigual e desumano?
É simples: com a nossa escolha, a capacidade de decisão que nos é proporcionada pelo livre arbítrio. Após termos reduzido a nossa Agricultura e Pescas, começou-se, há uns anos, a ouvir que “o que é nacional é que é bom”. Mas não somos só nós que o dizemos. Por todo o mundo, muitas nações iniciaram campanhas de promoção do seu mercado interno.
Não lhe chamam Swadeshi, mas o princípio é o mesmo. O da racionalidade prática e da visão de um futuro melhor."
Fonte: http://terrasolta.org/2010/08/swadeshi-o-movimento-auto-suficiente/
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home