01/02/2006

Carta de apresentação pessoal

Doce Moscatel que me acaricia os lábios como mel, aquece-me a garganta com carinho deixando o meu ser alegre e tranquilo enquanto fito com suave timidez o vazio. Mordisco um cigarro calmamente durante este intemporal período de degustação, esboço um brilho sincero no olhar e viajo…respiro a pura beleza de viver imaginando mirabolantes cenários de felicidade, sonho e sinto em meu redor os incrivelmente pequenos prazeres que o mundo e os sentidos me proporcionam, nado livremente pela imagem extasiante daquele colorido degradê solar que o céu e o mar me oferecem ao final de cada tarde e lembro-me de situações memoráveis passadas com os meus, lembro-me também da sorridente (rastejante e assustada) forma como fujo quando todos os meus problemas e inseguranças me confrontam. Olho à volta e logo gaguejo uma tremida e despropositada gargalhada, soltando os meus monstros e defesas através de um qualquer comentário analítico-trivial sobre um qualquer pormenor quotidiano presente, acompanhando este sufoco com um disfarçado desvio de olhar e um envergonhado coçar de cabeça que tencionam exprimir de uma forma calmo-desesperada a minha dificuldade e/ou incapacidade (quantas vezes não recorre o pensamento a fatalismos?) de ser e estar bem, uniforme, liberto da pressão pessoal que a opinião pública exerce sobre quem analisa em demasia. Peço então mais um Moscatel ao Zé entre guinchos desmesurados e subliminares mensagens de ajuda lançadas em forma de piada ao meu amigo Miguel - “então chibas-te ou não? Faz aí mais uma meu palhaço polar…!!”. Olho novamente à minha volta e reparo que ninguém me está a observar, penso em mim e tento entregar e fechar o meu presente estado de espírito na inimaginável e natural certeza de que ninguém está a olhar para mim…não preciso de entreter quem quer que seja, ninguém me está a avaliar porra!!. Vêm-me subitamente à cabeça o meu pavor do futuro, respiro fundo inalando o saboroso fumo do thc e observo o nada. O nada sou eu. Eu sou o nada. Eu não sei o que é o nada.
Rio-me agora por dentro e penso que talvez seja difícil encaixar
os meus momentos de verdadeiro prazer e loucura (aqueles doces arrepios de felicidade) harmoniosamente neste contexto lírico, começo também a imaginar quais os adjectivos que estarão posteriormente estampados na pauta da avaliação final do meu ser, mas noto que me consigo abstrair de tudo o que me perturba ( menos da forma como irei acabar) e decido parar. Com um sincero sorriso lembro-me de ti…rasgo o pensamento e abraço a acção sem hesitar. Afinal é possível.


2 Comments:

Blogger Garcia said...

Aí está! O Àguas a escrever! Muito expressivo, muito bom.
Ah, pois é! É possível. Claro que é possível!!!

2:39 da tarde  
Blogger Isa said...

rasgo o pensamento e abraço a acção sem hesitar. Afinal é possível.

tás a ver? as respostas estão SEMPRE em nós. Bjs

12:46 da tarde  

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