08/12/2005

Outro capítulo

- A vossa pergunta é, uma vez mais, pertinente. A minha resposta fará com que entendais mais profundamente a natureza da compaixão. Deveis saber que um sofrimento causado por um amor baseado no desejo e no apego é mil vezes mais doloroso do que uma dor resultante da compaixão. É conveniente distinguir entre os dois tipos de sofrimento – o primeiro é inútil e apenas serve para perturbar os nossos espíritos e os nossos corpos, ao passo que o segundo desenvolve a atenção ao outro e o sentido da responsabilidade. O amor compassivo permite fornecer a energia necessária para fazer face ao sofrimento de outrem. O amor baseado no apego e no desejo apenas gera mais angústia e sofrimento. A compaixão fornece o combustível para as acções sociais. Grande Rei, a compaixão é mais do que necessária e a dor que dela resulta pode revelar-se útil. Se não conseguirdes sentir o sofrimento dos outros, não sois verdadeiramente humano.

A compaixão é o fruto da compreensão. Praticar a Via do Despertar leva-nos a ver o verdadeiro rosto da realidade, que é impermanente. Cada coisa, sendo impermanente, não possui um eu separado. Tudo está condenado a desaparecer. Um dia, o vosso próprio corpo não existirá. Quando uma pessoa vê a natureza impermanente de todas as coisas, a sua concepção da vida torna-se calma e serena. A realidade da impermanência não perturba nem o seu corpo nem o seu espírito. Em consequência, os sentimentos dolorosos originados pela compaixão não estão impregnados da natureza amarga e grosseira que caracteriza os outros tipos de sofrimento. Pelo contrário, a compaixão dá mais força a qualquer pessoa. Grande Rei, hoje, aprendestes alguns dos princípios fundamentais da Via da Libertação.


Este texto é um excerto de um diálogo entre o rei Pasenadi e o Buda. Transcrito por Tich Nhat Hanh no seu livro "Sur les traces de Siddharta".